Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Xeque-Mate. *do jardim dos amantes*

- Nossa... OK, isso foi estranho.
- Por ser ruim ou por ser bom?
- Por ter sido bom demais.

Ela o olhava com todo aquele ar lascivo. Um brilho cheio de más idéias no fundo daqueles azuis tão fortes, por trás de algumas mechas vermelhas mais curtas que as demais. O piercing da língua reluzindo quando, provocante, a mesma deslizava pelos lábios, como se buscasse um pouco mais do que acabara de provar. O rapaz claramente sentia o incômodo de estar novamente contido às calças jeans. A jaqueta, um pouco mais clara, protegendo os braços do castigo daquele sol forte.

- E por quê é estranho que seja bom?
- Ah... a gente tá aqui, vai. - O guri coçava a cabeça, um tanto sem jeito, virando-a e deixando os longos cabelos loiros penderem, de lado.

Ela balançava um pouco as pernas, ao sentar-se por cima de uma lápide negra, deslizando os dedos pelo mármore escuro e sentindo as reentrâncias do tempo e do entalhamento. Ele mantinha-se com as pernas cruzadas, sentado por sobre a mureta daquele pequeno mausoléu de aspecto um tanto gótico. A voz dela carregava toda a malícia de sempre.

- Então vamos lá... venerar os mortos com verdadeiros monumentos e palacetes não é estranho? Fazer as pessoas se forçarem a vir chorar o passado na frente de um pirulito de pedra, todo ano, é algo muito sensato, certo?
- E o quê isso tem a ver?
- Ué, não está óbvio, menino? É como eu prefiro celebrar os mortos. Trazendo um pouco de vida pra cá. Ou você preferia ficar do meu ladinho, mão na mão, chorando as pitangas pra cada túmulo desses?
- ... acho que eu prefiro não celebrar os mortos.

Ela ria.

- Xeque. - Olhava-o bem no fundo dos olhos. - Mas então... prefere na sua casa ou na minha?
- Deixa de ser boba... eu moro com meus pais e você com a sua avó.
- Então aqui é um bom lugar como qualquer outro, não?
- ... mate.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Randomicidades *murmúrios do Andarilho*

Aproximem-se, aproximem-se, inquiridores! Venham e contemplem, pois a bola de cristal da sempre deliciosa Van veio clamar por seis segredos do Rei deste Palácio Elétrico. Observem à fogueira, o crepitar da lenha que estala em revelações. Atentos, meus amigos, busquem os sussurros do vento. Aqui, todos nós, sob a copa onisciente da Árvore da Decisão.

Não estranhem quaisquer desses seis fatos... ou outros tantos estranharão vocês.

 

1 - No terceiro ano do segundo grau eu soltei a voz no festival do colégio (Fest&Art) junto com duas colegas de classe, para cantar "Stand by me". Isso me rendeu uma stalker, que pegou meu telefone com algum amigo na platéia e ficava me ligando em casa pra atentar-me o juízo. Demorei a criar coragem para ir encontrá-la, mas eventualmente cedi à curiosidade. Não me arrependo nem um pouco.

2 - Já perdi tanto sangue, em um incidente entre um prego de construção e o meu pé esquerdo, que tiveram de ligar uma veia do meu pai direto à minha, para uma transfusão de emergência. Já quebrei tantos ossos tantas vezes que acho que gesso corre no meu sangue.

3 - Minha barba tem histórias que vão desde a expressão "Jesus Cristo exagerou na Santa Ceia" até o espanto "Que coisa mais esquisita, rapaz! Tem partes da sua barba que são ruivas. Coisa de vira-lata, isso." Transferi minha vaidade e cuidado do cabelo para a barba, o dia que notei a calvície avançando um pouco demais, pra minha idade.

4 - Comecei a ler muito cedo. Meu irmão e uma prima tiveram a idéia de querer me alfabetizar assim que eu comecei a falar. Minha professora do C.A. me arrumava livros infantis pra ler, enquanto os outros alunos aprendiam o abecedário. Aos 11 anos eu comecei a atacar a coleção completa de Júlio Verne, da minha mãe. 20.000 léguas submarinas é um dos grandes livros da minha vida.

5 - Sempre que posso, fujo do Rio de Janeiro no carnaval. Não suporto o trânsito, não gosto de samba, não é o meu tipo de festa. Há poucos anos, no entanto, tive algum tipo de crise e quis sair pela rua pra procurar um bloco e ver se me divertia. Num batuque mais forte, quis crer q era rock e comecei uma rodinha. Voltei pra casa convencido a odiar carnaval um pouquinho mais, no ano seguinte.

6 - Não importa o quanto eu chie de estar trabalhando demais, não seria tão bom de qualquer outra forma. Workaholic, com certeza, mas ainda prezo pelo meu tempim. Faço questão de tirar a hora e meia do meu almoço sem pentelhações e problemas outros... a menos que esteja em cliente. Aí, não dá pra saber quando eu posso (e quero) parar. Adoro o quanto minha abordagem transparente, no trabalho, me torna praticamente imune às picuinhas de gente pequena.

 

E assim, senhoras e senhores, este vagante deixa as chamas se fazerem brasas, ouvindo os passos pesados da Besta que afasta-se de volta, até os portões nucleares e de volta para seu trono. Não percam-se por tempo demais, nestas palavras. Sob o olhar deste Andarilho, seis fatos são bem pouco... como 101 tbm o foram, antes.

Sob a copa da Árvore da Decisão, despeço-me.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Nova ortografia... um haikai *urros de fúria*

Reforma o caralho!
E maleducado
é quem te pariu.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Pecados do Rei *entre anjos e demônios*

O Monday, do Ménage à Quattre me passou esse meme, que eu decidi dar uma mexida e responder do meu jeito. Sem muitas delongas, vamos a ele.

Sobre a GULA:
Sou da opinião de que fome é fome. Pra tudo. E nesse ponto, realmente sou muito guloso com a vida. Com o que como, claro, motivo pq não sou nenhum magrelo. Mas muito maior é a gula desse Troll.

Da AVAREZA:
Muitos confundem ambição e bom planejamento com avareza. Não me considero avarento pq não tenho tamanho apego pelo material. Mas eu sempre planejo-me para ter o necessário.

Considerando a INVEJA:
Já me tiveram por invejoso quando tudo o que fazia era admirar a capacidade ou as conquistas alheias. De vez em quando, realmente sinto, não vou nem posso negar. Mas raramente sou injusto, reconheço que muitos conseguem chegar ao que querem ou precisam por esforço próprio, não relego o sucesso de ninguém à mera sorte.

Minha IRA:
Sou muito paciente pra algumas coisas e bem pouco para outras. Repensando muitos momentos e decisões, ira mesmo é algo que extravasei poucas vezes. Todas essas de maneiras um tanto perigosas.

Entregue à SOBERBA:
Obrigo-me a admitir que por vezes cedo a isso, sim. Coisa de um orgulho exacerbado e um ego que na verdade se sobressaem para esconder minhas inseguranças e me proteger do julgamento alheio. Não nego minhas fraquezas, preciso conhecê-las se pretendo melhorar.

Perdido em LUXÚRIA:
Se existe um pecado que vai me mandar pro inferno em uma queda meteórica, é esse mesmo. Em mim, ele é parte da Gula já mencionada. Dessa fome que, vejo, só faz crescer, já tem algum tempo. A verdade é que por horas eu me vejo fora de controle, com esse lado meu. O pior? São essas as melhores horas. *rs*

Ô, que PREGUIÇA:
Esse tem seus momentos, vai. Amo trabalhar, fico até chato quando obrigado a ceder ao ócio por muito tempo. Mas tem horas que simplesmente bate a vontade de parar um pouco e relaxar.

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Vou aproveitar q esse post é um meme e dar uma "whored out" de leve no blog, mas é por um bom motivo. O pessoal do site Ambrosia está sorteando uma estatueta do próprio Lorde Moldador, Sandman. Pra participar eu aproveito para comemorar por aqui os 20 anos da personagem dos quadrinhos de Neil Gaiman. O texto de abertura do Palácio (lá no alto) é tbm uma homenagem, junto com uma música que adoro, claro.

Abaixo, a peça ainda em estado de confecção. Quem quiser saber mais do sorteio: [link]

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Trilhas *dos diários do Andarilho*

Percorria seus caminhos uma vez mais, por entre as árvores já tão conhecidas e pisando trilhas de folhas avermelhadas de outono. Sempre foi gostoso brincar por ali e tudo o mais ria de volta o quanto ele mesmo ria para o mundo, como houvera muito tempo não o fizera. Era sempre novo, percorrer aquele caminho, porque em cada passo sentia-se imerso, apresentado a novos ciclos. Como ler um livro velho pela quarta vez e descobrir que as rodas não giram mais da mesma forma, naquela estória. Corria, algumas horas, alimentado pelo cheiro de mato e terra, pela eletricidade daquele ar úmido sob as folhas. Adorava ver o azul do céu por entre elas, sorria feito menino ao lembrar disso. Porque ali, menino era.

Por entre os arbustos e troncos daquele bosque, ela o via correr, guardando-o no fundo dos intensos olhos castanhos. Não evitava o eventual curvar dos cantos dos lábios, um sorriso plácido como a superfície de certos rios, que sob o espelho correm tão caudalosos. Não trazia o ar efusivo nem a euforia incontida, já estava em paz e acostumada àquele lugar tão familiar. O que lhe prendia a atenção era o próprio rapaz, que mal conhecera aquele plano, já se sentia tão à vontade para soltar-se, desabalado. Era curioso, pois estava longe de ser ingênuo a tudo aquilo e ainda assim o parecia. Os dois tinham suas visões, um tanto diferente, daquilo que os cercava. Mas fato era, ambos ali estavam e de uma estranha maneira compreendiam-se mutuamente. Achava que ele, talvez, um pouco menos.

Um vento diferente... os passos dele por um momento contidos, o olhar aguçando-se e o perscrutar à volta. Por aqueles instantes, sentia que as sombras das árvores ao seu redor esticavam-se, por sobre ambos. De sobressalto, sua atenção voltava-se para ela, que caminhava com a mesma calma de sempre, aproximando-se. Tinha um ar compenetrado e a respiração compassada, era a eterna sinfonia de ares, olhos e gestos que ele conhecera desde o princípio. Mas tinha um semblante preocupado, enquanto o fitava à alma. O rapaz respirava mais fundo, retomando o fôlego e sentindo-se pesar mais, ao chão. Por um momento, deixava-se abrir o par de longas e alvas asas. Lábios umedecendo-se e o corpo curvando-se apenas de leve à frente. Seus dedos sentiam os sulcos da casca de uma árvore mais próxima e assim podia perceber a vibração do lugar mudar. Ela não precisava daquele toque. Aproximava-se, tão lentamente... os lábios entreabrindo-se.

- Esteja sempre preparado... para tudo.

Tocava-lhe o ombro e sentia-o tenso, mas a postura se deixava relaxar, bem aos poucos. Os dois respiravam fundo, como se em sintonia. Algumas sombras avolumavam-se ao redor e por um momento todo aquele universo quis dançar uma espiral de decadência. Observavam, curiosos, o começo de um novo turbilhão. Ainda estavam ali, como por muitas vezes estiveram e ainda estariam. Sentiam o tempo aproximar-se em ondas, esticando-se por sob a areia da praia que agora estava aos seus pés. E à frente daquele pôr-do-sol, tantos outros anjos vinham sentir o mundo vibrar. Do olhar preocupado, ele deixava despontar um fraco, mas sincero sorriso.

- Sempre... às vezes é pedir demais.


Door Mouse, de ~brokendreamer no deviantART.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Saldo dos 27 *após a festa do chá*

Tudo acabado, as mesas ainda bagunçadas e espalhadas pra todo canto, em meio às cadeiras. Móveis de piscina, como é típico. Uma praça de guerra, onde por toda aquela tarde e noite se desferiram tantas palavras e risadas. A artilharia disparava desde o começo, indo da leve munição de R.E.M. e Alanis Morisette até os bombardeios de System of a Down, KoRn e The Offspring. O campo de batalha estava cheio, desfilavam rostos suando e por tantas vezes eu apenas me punha a observar.

Era fato, faltava alguém ali e em tantos momentos isso se fazia notar em olhares e perguntas. Todos em algum momento haveriam levantado o mesmo nome, aquela falta, que para alguns vinha com certa surpresa, para outros, com aquele jeito de tristeza. Mas todos cedendo às boas previsões para estarem ali, realmente. Em meio a tudo, novas caras, velhos conhecidos e os unidos pelo sangue. Por entre aquelas estranhas trincheiras de plástico branco, provisões para todos, dando e sobrando.

Comes e bebes, mais conversas, novos chegados e tantas oferendas. Tudo se construindo até o momento prometido, de um bolo. Mas aquele não era qualquer bolo. Ou talvez o fosse, mas certamente que seu complemento não. Lembrou-se o soldado da ida à doceira, quando descobriu que havia algo mais no que estaria levando: "Com essa calda aqui você não precisa se preocupar. Ela acha os caminhos certos." Então era hora de deixar as peripécias do chocolate mágico surgirem, para todos em volta daquela mesa cantarem em côro.

Fatias cortadas, calda encontrando seus caminhos em cada um dos convidados (da boca pro esôfago, dele pro estômago... enfim), restariam tão somente aquelas palavras, que pelo álcool de alguns (algo q tbm encontra seu caminho bem rapidinho) rapidamente se transformariam em risadas. Não era um lugar de agressividades, excetuando-se a eventual alfinetada a muitos imperceptível e a todos totalmente dispensável.

Só importavam risos e sorrisos. A comemoração. Outra surpresa viera na forma de jujubas de ursinho. E embalados pela artilharia pesada de começo de madrugada, todos despediam-se sob uma lua tão clara e redonda. O que ficou pra trás parecia um campo de batalha... os frutos de uma festa, comemoração tão agradável.

E só então, já com 27 anos, surgia aquele ar da dúvida tão palpável. A mesma de cada aniversário. Olhar nos olhos da lagarta e responder à pergunta: “Quem é você?” Realmente, naquele momento como em muitos outros, me restaria o óbvio do eu ser eu. Apelando à literatura para dizer que é difícil saber, realmente. Afinal, ter tantos tamanhos diferentes é muito confuso.

E ignorando a lagarta, de mãos dadas, saímos os três: aniversariante, namorada e calda de chocolate. Afinal, não é que ela sempre acha mesmo os caminhos certos?


The Caterpillar, de *Saganu no deviantART.

 

PS: admito, isso é um post de aniversário atrasado. *rs*

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Urbs et verbis *ainda sorrindo*

Deslizo pelas ruas em primeira marcha, pq senão o carro não anda. É curioso, perceber o mundo passar por mim, nessa velocidade q tem horas q parece querer assustar. Tudo corre, só pq estou atrasado. O carro grita comigo, argumentando peças, rodas e gasolina. Os dois parados, enquanto o mundo vai desviando de nós a 110 por hora.

Quando olho em meu pulso, me torno metal. Ali, quietinho, enquanto os números vão passando por ele. Eu-ponteiro, fitando eu-motorista nos olhos, em tom de acusação. Estamos todos, até eu-carro, atrasados. Uma massa de metais, vidro, plástico, estofado, carne e ossos parada no centro do universo, enquanto tudo se vai moldando ao nosso redor, incessantemente, tentando se tornar onde eu tinha que estar horas antes, já.

Com um clique, eu-música consegue abafar os gritos lá de fora e do motor. Ganho paz, enquanto estou ali tocando guitarra, bateria, baixo, teclado. Desconto em um microfone todos os gritos que por vezes tenho vontade de dar ao mundo, nas fechadas sem seta da vida.

Por um momento, entre uma trilha e outra, paro pra perceber q venho tendo dias grandes demais para suas poucas 24 horas. O tempo, em suas manias de grandeza. Desafiando o espaço e a fisiologia. Sim, sinto o sono, sinto a fome, mas mais do que isso, sinto o peso... minha mão esquerda pesando cada vez mais. Que grilhão é esse? Que força é essa, tentando prender-me ao chão, mais a cada momento? E de alguma forma, encontro a libertação.

Eu-relógio vejo os olhos de eu-bicho, acusando-me de volta. Afastando-se rapidamente, ao passar da janela aberta. Eu-carro e eu-música sorriem, ganhando sinfonia em gritos. O relógio, não mais eu, se estilhaçando pra se misturar ao mundo. No acostamento, um unicórnio.

"Somos todos loucos, aqui."

 
The Mad hatter, de *fayrenpickpocket, no deviantART.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ante acta *pelas planícies, até o Palácio*

Aproximava-se, voltando ao Palácio. O horizonte há algum tempo vinha-se abrindo e agora enfim o sol despontaria por entre as nuvens. O tom negro já desaparecendo meses antes. À frente de seus olhos, as planícies de Arcadia abriam-se até as colinas, onde a vista alcançava. Respirava fundo, um sorriso abria-se como se por eras aqueles lábios não houvessem movido e fosse possível um rosto enferrujar.

A armadura ainda reluzia, mesmo tão marcada e faltando pedaços, onde as tiras de couro não mais puderam sustentar o pesado metal. A lâmina perdera o brilho de outrora, mas ganhara, naquelas marcas e manchas de batalha, um aspecto austero, como se pudesse sobreviver ao próprio tempo. A ponta afiada há muito se partira. O guerreiro Troll dava cada passo resoluto, mas seus pés não mais enfrentavam o chão da mesma forma. O mundo ainda tremia sob eles, mas o guerreiro experimentava uma sutileza para ele incomum. As presas tornavam aquele sorriso ainda mais canhestro, mas por todos os lados, seus súditos uniam-se em côro de saudação.

As sombras, que jamais o deixariam em paz, encontravam o metal da lâmina não mais frio e nem tão afiado. Sentiam-se rasgar, pelo fio gasto, e experimentavam àquela espada o calor de tantos outros inimigos caídos. O Rei trocara a truculência de golpes movidos a urros por movimentos fluidos, que mantinham a mesma força e pareciam antever cada nova investida. Do alto da Torre Estelar do Palácio Elétrico, o Andarilho observa, junto a cada viajante deste reino. Sua voz soa, plena de malícia e enigmas, quase como sussurros.

- Retorna, nesse vore de vida, de novas conquistas, de tanto mais. Sintam, inquiridores. As trombetas anunciam que os portões nucleares se abrem, uma vez mais.

No estrondo de um trovão, tudo se cala e fica apenas o odor do ozônio, tão forte, quando a morada se abre para aquele retorno. Segundos incontáveis, mas que certamente não deveriam preencher apenas aquele minuto, se passam em badaladas de respiração, contadas pelos passos da imensa besta azul, enquanto ribombam pela paisagem. Todos os outros sons dão passagem. O anjo que lhe despertara as imensas asas de gárgula observa, do topo da murada, com seu sorriso de canto de lábios, respondendo ao astear delas com um suave aceno de cabeça.

Ali, no topo da escadaria, pára e apenas observa. O som de seus passos cessa, deixando de esconder que de dentro do salão, outros pés também moviam-se, em direção ao portão. Ecoando por todo o Palácio Elétrico, eles vibram na mesma freqüência que vibravam os golpes do monarca, do lado de fora. Ela caminhava, em direção ao guerreiro, e aqueles olhos deixavam-se mostrar quase explodindo por sobre ele, de tão firmes e tamanha a intensidade por trás deles. A voz do Rei soava, um grunhido que mesmo baixo enviava calafrios por seus súditos.

- Essa fome... ela cresce... não pára...
- Nunca. A menos que você queira. - E aquela voz parecia páreo para a dele. - Você quer que pare, Troll?
- Não. Nunca.
- Então... prossiga...

Sob o toque gentil daquela mão, ao rosto azul e marcado, o sorriso do guerreiro se refazia, como se o primeiro de sua vida. A lâmina ecoava por todo o salão, quando deixada ao chão, batendo seu peso contra metal e pedra. Não precisaria mais dela... expunha as garras, voltando-se para todas as novas sombras que surgiam. A voz do Andarilho soava, em um prenúncio de tom quase sádico.

- E que belo presente recebe o Rei, iniciando seus novos passos. Pois digo-lhes, inquiridores, que se o urro de um Troll é terrível, muito mais temido é o seu sorriso! Contemplem... muito além do temor de novas batalhas.


Chesshire cat de Sulime, no deviantART.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Ária - 2008 *sons pelas planícies*

De um gesto de renovação, mergulhei em teu olhar
nas badaladas do tempo, tudo ali voltando a zero.
Eu, tolo, cedi à vontade de sentir naquele abraço
a passagem do que não era só mais um dia a passar.

Agora cavalgo, lâmina reluz em punho, a teu lado
a armadura nova, fruto da presença, de teu sorrir.
Tantas novas batalhas e o tempo incerto a correr.
Temerário, balanço rédeas, mergulho no futuro.

Da tua voz, eu me renovo, sinto esse fortalecer.
Da tua pele, ânsia por esse toque, ganho motivo.
Cada nova batalha em si traz mais um caminho
e a certeza de que todos levam a esse abraçar.

Porque sim, hoje vejo, todos os caminhos levaram-me a ti...
e, não sem escolha, nas vagas do tempo deixei-me arrastar.

...

Só o tempo cumpre tudo aquilo o que promete.

FF9