Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Trilhas do deserto de Athas – Dark Sun

O vento quente do deserto soprava por sobre as imensas muralhas da cidade, alcançando o chão de areia branca e soprando canhestro em um rodopio, pela arena. De um dos corredores escuros de pedra, três pares de olhos tentavam acostumar-se à claridade. Ao forte vermelho do céu. Já era fim de tarde e o sol vermelho descia a oeste. As pessoas já ousavam sair e assim, os balcões estavam cheios.

A arena era imensa. Homens-livres de todos os cantos da imensa cidade-estado de Urik lotavam o lugar, em um barulho incessante, zumbidos ecoando. Só havia silêncio no corredor de pedra. Os três gladiadores respiravam profundamente. Um deles, um homem livre, jamais adentrara tais jogos. Mas precisava estar ali. Abaixava a cabeça em seu caminhar, pois lhe fôra permitido entrar com sua besta de montaria, um imenso inseto com seis patas e enormes presas afiadas.

O segundo não era um homem. O corpo atarracado, definido em músculos duros e pesados, a cabeça lisa e o couro sem pêlos, protuberante. O rosto quadrado. Heranças do sangue forte dos anões, da parte de seu pai. Um meio-anão era um escravo valioso, em qualquer parte do deserto. Trazia às duas mãos uma imensa espada de pedra obsidiana, negra, as lascas afiadas enfileiradas em um corpo afinado de madeira enrijecida ao calor.

Certamente o menos humano dos três guerreiros, o terceiro assemelhava-se mais à montaria do primeiro gladiador, mas tinha a altura de um homem e apoiava-se de pé, com dois pares de braços e mãos segurando duas grandes lanças de madeira e pedras de jade afiadas. Suas mandíbulas eram presas amarelas, movendo-se como se em antecipação, e os imensos olhos insetóides pareciam poder observar toda a arena, quando enfim os três saíam para a luz rubra do sol. Um Thri-Kreen das planícies vermelhas.

Do outro lado do chão de areia branca, o imenso pórtico já encontrava-se aberto. Do lado de fora, o vento, um calor incômodo, levantava a areia, rolando pelos braços dos bravos desafiantes. Um rugido e o sobressalto. Como se o estampido de uma explosão, arremessando os três à frente. Corriam ao centro do espetáculo, de encontro à besta, imensa. Pareceria um leão, mas a juba recedera a um pelo mais curto, que estendia-se para trás pelo dorso. A boca, enorme, um conjunto de presas afiadas do qual os dois caninos inferiores protuberavam como adagas afiadas. Duas fileiras de olhos, três pares, negros como a lâmina do meio-anão.

Ao segundo rugido grotesco, o som das arquibancadas cessava. Deixava espaço aos urros de três gladiadores. Um tomando firmemente as rédeas de sua montaria e colocando-a em carga, erguendo a lança em punho. Os olhos do segundo tomando um estranho brilho esverdeado, que refletia-se na escuridão da imensa espada, os dedos firmes ao seu cabo de osso. O inseto percorria o grande espaço entre ele e sua presa, girando as hastes de suas duas lanças, antes de saltar por sobre a fera. Mergulhavam os três, rumo à glória… ou à morte.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cercear sonhos... *do diário de bordo*

Havia uma menina que guardava seus sonhos em aquários.

Era lindo, ver como os admirava, de trás dos vidros, tão cuidadosa. Polia, trocava-os de lugar, mostrava cada um que tomava-lhe o brilho do olhar. Dançava por entre aquelas bolhas, sorridente e bela, rodopiando nas perfeições de suas náutilas fantasias.

Mostrou-me cada um, pouco a pouco... Não acho que todos, pois eram muitos. Mas aqueles que tinha de mais encantadores, foi trazendo-me um a um. E assim eu os admirava, janelas cheias de ansiedade e desejo. Pedaços de mundos construídos aos poucos, incompletos. E foi com todo receio possível - mas uma curiosidade quase infantil, que toquei alguns.

De começo, punha a mão com receio. Leves ondulações ao fio da água. Deixava-me ser parte, ainda que fugaz, daquelas imagens. Ela ria e se permitia levar. Divertia-se e por vezes olhava-me como se os dedos lhe tocassem a pele, também. E no meio daquela estranha folia, um pensamento incomodara-me.

"Onde guardas os teus temores?"

Dissera-me que não os tinha. Que era apenas aquilo que ali me mostrava. Que nada mais guardava, porque nada mais importava. E que naquele lugar, sabia jamais haveria o que temer. Sorria, em meio às palavras, do seu jeito infantil.

Apavorei-me. Os olhos arregalados, pedia a ela que escondesse tudo aquilo, rápido. Que me ajudasse a carregá-los para bem longe. Confusa, não perdera o sorriso.

"Teus temores correm soltos... Podem vir ter com teus frágeis sonhos, não percebes?"

Mas apenas sorriu uma vez mais, como quem me pediria calma. Eu ali, na certeza de que ouvia passos, mil deles, repletos de grunhidos e terríveis urros de ameaça. Mas palavra alguma minha a fazia entender. E foi assim que a deixei, ali, tão bela quanto frágil.

A última vez que a vi, estava ainda lá, abraçada ao último de seus aquários, sentada ao chão repleto de cacos e sonhos. Mas ainda sorria, como quem quisera dizer-me que o mais precioso de todos estava a salvo.

Acho que aquele ali, ela nunca me mostrou.

Hoje penso que sonhos existem para serem despejados ao mar e ao vento, libertos. E mesmo assim, egoísta, guardo meus melhores comigo.

 
Flow, de ~maaria no deviantART.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Semi-ótica

É assim mesmo, pq é estranho… Você que costuma pensar demais nas coisas e em si, acaba concluindo que sabe o suficiente para estar preparado para tudo. Porque formou um mundo de conclusões ao seu redor.

E o quê seria de cada um de nós sem tamanha tolice? Se definimos o mundo em tantos nomes e certezas, é porque precisamos delas? Provavelmente sim. Mais provável que nos seja apenas natural, não é mesmo? Mas quê tamanha e absurda natureza é essa, do pré-julgamento? De delinear tudo com significados? De procurar tanto as fronteiras de tudo?

- A gente faz tudo isso mesmo?

Faz! E sem nem pensar!

- Então pra quê você tá pensando tanto a respeito?

- É assim mesmo, pq é estranho… Você começou muito bem, não acha? Mas talvez tenha ido longe demais.

- Prefiro você assim. Em silêncio.

Não é nada natural, eu ficar em silêncio.

- Isso que faz ser mais precioso.

- Te amo, seu bobo.

(resposta singela a um excelente post)

 

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

I´m bringing sexy back…

- Eu não queria… – Ela disparava.

- Mesmo? – Ele apenas abria seu sorriso vago.

- … mesmo. Ao menos no fundo, sabe?

- No fundo? – Erguia uma sombrancelha e ria dela, ao perguntar aquilo com um ar de toda a malícia do mundo. A moça que tentava soar tão cheia de dúvidas…. – Péssima escolha de palavras, não acha?

- Você pode ficar rindo, aí… mas não sabe o que eu penso, tá? – Demorava a ligar os pontos, em sua estúpida indignação. – Ah, bobo! Não é disso que eu tô falando…

- Mas eu sim. O tempo todo… desde a primeira palavra que te disse até essa última. Até o próximo ponto final.

- Mesmo? – Ela encabulava, de súbito. Era possivelmente a coisa mais direta que ele podia lhe dizer, e certamente a mais canalha… mas era a franqueza da situação que a fazia sentir-se tão nua… – Então eu sou apenas isso aqui, né? – Puxava o lençol por sobre o corpo, como se quisesse se esconder dele. – Não sei se gosto disso, viu?

Ele se aproximava dela, com ares felinos, mãos sobre a cama… – Mas eu sei… e você gosta. Pode não querer admitir nem gostar de fazê-lo. Mas estamos aqui, não? – Poderia devorá-la com aquele olhar, por cima do imenso sorriso de besta. – E, “no fundo”, acredita… eu sei exatamente o que se passava. – Insinuava uma das mãos por baixo daquele lençol, em sinal de clara ameaça.

As bochechas dela ardiam, de tão vermelhas, mas o corpo reagia de outra forma. Aquele rapaz em nada fazia seu tipo e ela mesma se perguntava como fôra parar ali. Mas ela queria. – Tá bom… você acha que sabe tudo, né?

- Se eu estiver errado, tudo bem. É só você me mandar parar AGORA, que eu paro.

Ela mordia o lábio inferior e respirava fundo, sentindo tudo que aqueles dedos lhe ligavam, à pele. – Não… faz aquilo na banheira, de novo?

Ele sorria, mais para si do que para ela. Aquela guria em nada fazia seu tipo, mas tinha curvas difíceis de ignorar.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Navegantes

São multidões sobre galés imensas. Balançando por entre ondas e pedras, sentindo o vento soprar sal em suas faces. Do topo do mastro, todos os gritos são de aviso. Perigo e medo. Cada puxar dos remos vindo da batida de um tambor imenso. Cada chibatada, uma risada aberta às costas.

É um mar de Leviatãs despertos, espertos, balançando tentáculos imensos e esticando-se em um espreguiçar, bem sob seus pés. Arriscando derrubar os algozes de seus tronos, para detroçar tudo em seguida, num naufrágio violento. Devorando tubarões moribundos e baleias já anciãs. Os sons do desespero apenas vencidos pelo bater do tambor.

São isso, naus pulsando impulsos pelo azul infinito, sobrevivendo em cada volta, a cada redemoinho. Remando sem olhar para trás. Seguindo meio a maré, meio as voltas de seus braços. Existindo, como se apenas existir lhes bastasse. Admiráveis em todo seu esforço, em cada gota de suor.

Olhassem em volta, veriam o quanto são enormes, tão maiores que seus captores… mas tão menores que seus Leviatãs.


Leviathan, de *r7ll no deviantART.

sábado, 14 de agosto de 2010

Nevoeiros...

Vem o frio, tão acolhedor numa tarde cinzenta, e parece que tudo se fecha. O mundo silencia. Não longe demais, possivelmente de uma gaiola qualquer, uma ave se pronuncia. O vento pela janela, a pele arrepiando-se e um calafrio sobressalta-me.

Ela apenas ali, deitada, dormindo tão bela. Olhá-la traz por reflexo a língua aos meus lábios. A silhueta por sob a coberta, respirando profundamente. Sente-se existir apenas em algum sonho, e isso a torna tão distante de mim... É bela, na pele alva e macia. Puxa as cobertas, sob uma nova lufada de ar. Minha respiração presa.

Tudo é cinza, senão ela. Tudo são cinzas, fora dali. A única cor vem da vida que pulsa sobre aquela cama. Lá fora, tudo arde e vai aos poucos deixando de existir... e mesmo assim, o vento ainda é frio. Um deserto de almas murmurando e gemendo, arrastando-se por entre os escombros de glórias passadas.

Talvez haja outras vidas, lá fora... mas por hora, me conforta demais simplesmente vê-la dormir.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Her y cysgodion

Eram muitos. O crepúsculo aproximava-se e, enfim, seria tempo de lidar com todos eles. A besta ressoava em sua respiração compassada, sentindo a ansiedade daquela espreita prestes a projetar-lhe as garras à mostra. Mas ainda não era hora. Faltava tão pouco.

O olhar felino divisava oito sombras, à luz poente. Três delas, enormes como árvores, caminhavam de fazer tremer o chão. As outras cinco, menos assustadoras apenas pelo tamanho, mas de aparência tão aterradora quanto, hora apenas observavam, hora farejavam o espaço ao redor. As mandíbulas negras escorrendo de um visco medonho. Os olhos, tantos deles, como se vidrados no horizonte.

- Oito ameaças. – Preocupado, o homem ao seu lado avisava, em tom de medo.

- Não… oito degraus. – A besta praticamente rugia, olhando a paisagem por sobre o ombro e percebendo os últimos raios de luz deslizando para longe, por sobre os prédios. – E tá na hora de subir.

Avançava silencioso, as lâminas agora totalmente à vista, por vezes arranhando o chão, quando abaixava-se para fora da vista de suas presas. Seu olhar aguçava-se enquanto o homem o seguia de longe. A fera apoiava firmemente as pernas e curvava as costas, a respiração tornando-se um leve chiado. E a cada bater acelerado, contava um a menos para a investida.

Jogava-se, uma vez mais e com a mesma certeza de todas as outras, em um turbilhão de vida.


Werecat, de ~Teotocchi no deviantART.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Ecos crescentes

BEIJA-FLOR *murmúrios do jardim dos sátiros*

"Pétalas de rosa". Era meio tarde para aquela constatação, mas enfim eu conseguia definir-lhe os lábios. Teria sido a melhor coisa a sussurrar logo depois do primeiro, até do segundo beijo. Mas a mente só havia chegado lá após tantos outros. Pareceria forçado, então deixei a imagem morrer em minha mente e simplesmente continuei aquele abraço tão delongado.

"Você está de blusa lilás". O melhor, imbatível, foi a expressão dela, reagindo àquela frase, ainda no celular. De alguma forma, eu havia ido em desvantagem estratégica. Sem fotos, sem sequer uma descrição esforçada, para buscar em meio à multidão. Ela tinha visto fotos, conhecia meus olhos e aquele sorriso 'marromenos' das típicas fotos forçadas. E no entanto lá estava, caminhando com toda a urgência de encontrar algo em volta, sentindo-se acuada em ser reconhecida. "OK, cadê você?"

Agora, aquele momento parecia distante o suficiente para ter fugido mesmo à memória recente. Os dois nos havíamos sentado ao restaurante e concordado em um ponto interessante: não havia fome. Ao menos por nada do cardápio. Aqueles olhos me diziam tudo o que precisavam, em meio a uma conversa até meio tolinha, mais com jeito de passatempo do que para dizer qualquer coisa realmente sagaz ou impressionante. As cantadas vinham em farpas de significados, dos dois lados e sobre a mesa decantava a ladainha de quem sente que poderia estar usando melhor seu tempo. Goles do refrigerante ajudavam a descer um pouco toda a ansiedade entalada à garganta.

Quanto tempo se havia passado? Perdido naqueles momentos, eu comecei a esquecer de olhar o relógio à tela do celular. Meus olhos se ocupavam em muito mais. Percorriam aquela pele em carícias, sentiam o pescoço macio arrepiando-se, tocando-o como se fossem meus lábios, deslizando para os cabelos, como dedos. Podia ouvi-la suspirar, enquanto essas carícias olhavam-na aos ombros, em breves lambidas e mordidas mais lascivas. Os braços, o entrelaçar de dedos, aquele colo com jeito tão acolhedor. Mas deixei o olhar demorar-se em acariciar aqueles seios. Ela notava e sorria, com jeito de safada, ajeitava o decote como se convidasse a me perder ali. Podia sentir o quanto e como eu a tocava, mesmo em meio ao local tão cheio e os dois ainda tão vestidos. Ruborizava, mais porque era uma reação graciosa e provocante do que por vergonha. Aquele colo... as coxas pressionando firmes contra a calça, marcadas, cheias de promessas escondidas. Eu poderia tomá-la com o olhar, mas fora roubado em meus instintos, para um novo beijo, tão intenso que por um breve momento deixei a mão brincar como os olhos e arrancar suspiros mais intensos e um rubor genuíno.

Aquele olhar, no entanto, certamente jamais faria jus ao desejo que agora meus dedos expressavam. A chegada ao quarto, tão afoita, os beijos perderam quaisquer travas e agora explodiam aos lábios, em mordidas, lambidas e deslizares. Escapavam às bordas dos lábios, como se um prestes a devorar o outro, enquanto os dedos percorriam aquela pele macia, já insinuando-se por sob as roupas, no rompante de arrancá-las e expor-lhe a pele. Os seios fartos deixando de decorar o vão da blusa para sentir as carícias tão firmes, os dedos em toques e apertos e os lábios mais que suspiros. Jogando-a por sobre a cama, deixo-me percorrê-la toda, agora nua, e sinto aquele corpo entregue como minha presa... os lábios e a língua já apressados, indo juntar-se aos dedos que a sentem por completo. Aquele calor, a umidade, e o aroma de sexo me inebria. Meus lábios melando-se como os de criança que se refestela em doces. A boca sente aquele outro toque, ainda mais macio que antes e agora repleto de orvalho. O sorriso matreiro desponta e olho-a.

- Pétalas de rosa. - e ela sabia, de meu sorriso, que nada seria mais delicioso que violar a beleza daquela flor. E me olhava, vadia, implorando para ser despetalada.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Às portas…

Era fogo. Tinha certeza disso, porque ardia a pele como tal e ameaçava abrir-lhe a carne em bolhas. O cheiro também não era nada agradável. As mãos tentavam sentir a pele da coxa e vinha a súbita vontade de gritar. Não aliviaria em nada, a dor, mas era como se quisesse externá-la, de alguma forma.

Abrir os olhos foi um erro. Toda a desorientação e o mundo girando. As chamas ofuscavam-na e o fato de que tudo ao seu redor parecia prestes a derreter traziam à mente uma clássica visão do inferno. Tentar se mover foi outro erro. O grito finalmente escapava e, com ele, lágrimas. Tamanho desespero… sequer conseguia lembrar-se de como chegara ali.

Alguns olhavam, incrédulos, a extensão do acidente. Motoristas que paravam à beira da estrada, quase como mariposas aproximando-se do fogo. Os dois caminhões se haviam mesclado em uma massa distorcida, vazando areia e combustível inflamado. Era impossível ver o carro, prensado entre eles.

Ele caminhava, em meio aos carros e às pessoas. Em meio à certeza de que nada sobreviveria àquilo. Seus olhos admirando as chamas e como quebravam o silêncio da noite. E ignorava todas as mãos erguendo-se em sua direção, ao caminhar para o meio de tudo aquilo. Por um momento, alguém quisera correr para impedi-lo, mas o calor era intenso demais.

Em meio aos destroços, ela deixara-se perder em prantos e desespero. Sufocava tentando respirar, tão quente que queimava-lhe a garganta. Estava presa. A dor já querendo dar lugar ao desmaio. O cheiro era insuportável. Seus olhos arregalavam-se, quando divisavam a silhueta do homem. Caminhava pelo inferno como se nada sentisse. Um joelho apoiando-se ao chão, quando se abaixava para tocar-lhe o rosto.

- Você veio me salvar? – A esperança na voz já diminuta era tão fraca quanto o sorriso aos lábios já negros. As lágrimas corriam pouco, antes de evaporar-se.

- Não posso. – Por trás do homem, um par de asas, imponentes e alvas, descortinando-se como se pudessem afastar o fogo.

- Isso aqui é o inferno? – Havia uma estranha aceitação, naquela pergunta.

- Será bem mais frio do que isso, lá.

- Então não me prolongues a vida… – Fechava os olhos, sentindo as mãos daquele homem tomarem-lhe o rosto. As lágrimas. Sem a dor, ficaria apenas o desespero. Mas, de alguma forma, preferia não estar sozinha.

 Imagem de Luis Royo.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A dois… caça e caçador

Como um predador, sinto teu cheiro e teu medo. Perdendo-me na vontade de saborear teu corpo. Em um primeiro toque, açoita-te a vontade de fugir, como presa. Em seus olhos, fascina-me ainda mais a resistência ao momento.

Faminto, invasivo, voraz, ludibrio-te com um beijo. As mãos trilhando os caminhos de teu corpo, esquivando-se de pano, dedos e renda. De teus lábios, em uma voz hesitante, saltam desculpas e defesas. Tua mente teme e tenta ganhar tempo. Teima em admitir a loucura do cio e render-se em total entrega ao momento. Cala-te um novo beijo, uma mordida em teu pescoço, como o bote que derruba a caça. Em meus olhos, a loucura há muito instalada festeja teu sabor e tua pele.

Ainda debate, um pouco, relutando em aceitar o que teu corpo exige. A pele exposta, delicada e vulnerável, sob dedos que já conhecem teus segredos. A barriga treme com o toque suave, num misto de prazer e cócegas, da carícia que quase não sente, disfarçada de veludo. Os protestos ficando fracos, letárgicos... provocantes. Todos os "nãos" assumindo-se os "sims" que foram desde o começo. As carícias como correntes invisíveis, prendendo-te ao prazer e ao agora.

Mais um beijo cala teus protestos em definitivo. Os lábios por você toda, brincando com a intimidade de segredos e juras de paixão. Cobrando-te cada vez que já tenha pedido mais. Pousando em teus seios, em beijos de língua, saliva, e mãos. Jaz a presa, abatida em golpes certeiros, desejando o inexorável fim. Donde vinham protestos, pedidos misturam-se a gemidos, suspiros incontidos. Brinco com teu corpo e me inebrio em tuas palavras, que pronuncias quase sem pensar.

Implora que te tome, te faça minha não só agora, mas sempre. Demoro-me em saborear e tocar seu corpo... as roupas já no chão, ao lado da cama, esquecidas. Espero que teus olhos me digam que nada mais existe. Apenas nós dois. E ouço-te jurando que a terei para sempre, sempre que quiser. Teu corpo entregue a meus dedos, que brincam de te dar o que tanto pedes. Provocando-te até que a presa se faça também predadora. Querendo me perder junto a ti, nas tuas unhas, garras e presas.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sacrifício

O corpo nos braços Dele, deixando de ser da escrava. Uma vida, pulsante e quente, entregue às mãos de outrem... um ato de puro sacrifício, tornando-a uma oferenda ao Senhor. Ele sente sua pele e arrebate-a com toda a dor e o prazer que só ele sabe proporcionar. A união de corpos que começa quase como um ritual fúnebre.

Panos e roupas de um negro envolvente... a presença de um toque que acolhe o corpo inerte e entregue, sadicamente preparando-o para o sacrifício em nome Dele. Velas queimam à volta... incensos deslizam sobre a pele submissa, parecendo queimar, fazendo-a se sobressaltar como uma vítima que só percebe a realidade de sua escolha quando já está amarrada ao altar.

Por baixo da vendas, alguém chora a morte por vir. O Carrasco não pensa mais do que o necessário, não se comove... apenas a prepara. As velas se aproximando e derramando a cêra quente sobre a pele... o grito que ecoa nas paredes e volta para ela. As amarras são fortes demais... a morte a atingirá, certeira. As lágrimas saem, incontidas... sente o corpo do Carrasco se avolumando próximo e sabe que o sacrifício se inicia.

Toda a dor destes momentos, a aproximando mais do fim. Tanta... tão forte... pontadas agudas dos tapas e a batida forte do açoite. Seu Carrasco é sádico, ri de seu choro. De seu desespero. Seus lábios clamam por perdão, em súplicas incontidas. Tenta, de todas as maneiras, mudar aquela sentença com palavras e gritos de seu arrependimento. Com juras de eterna submissão e obediência.

Mas a sentença é desferida, em meio à intensidade da dor... o corpo já desejava essa morte, o fim de todo aquele sofrimento. Recebe seu momento final com prazer e geme, em satisfação profunda... as estocadas fazendo o corpo se contrair e tremer... a arma que lhe sacrifica deixando escorrer o que desde o primeiro momento já preenchia aquele corpo, em gotas que pontuam o altar... os últimos suspiros saindo em gritos incontidos... últimas súplicas e juras vãs. Sente-se morrer, várias vezes, os espasmos mais fortes, a cada pedaço de sua alma que tenta apagar-se... os nervos se anestesiando, aos poucos... o corpo que renuncia a vida e os gemidos cessando em últimos sussurros de quem tenta respirar uma última vez. Se entrega ao infinito de um nada, que parece cobrir-la. Sua mente inexiste, por alguns momentos... o corpo inerte...

Desperta ao sentir o peso, sobre si... e nota o Carrasco também morto... inerte... o corpo dele unido ao seu... dentro de si... fluidos.


The Cross of Pleasure, de Luis Royo.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

haikai

amo assim mesmo
de pele, carne e suor
te bebo em prazer


Water ecstasy, de *Mrs-Dracula9274 no deviantART.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Destilados e Fermentados

Coisa de estilo ou instinto
isso de ser gente de tipo.
Porque se um é delonga
o outro “já é”.

E você, quem seja você
não encaixa por que quer.
Mas por que tem gostos
mil desgostos.

Afinal, sê velho ou novo,
experiência ou explosão.
É esse monte de coisas
A idéia em expansão.

Pra perder-se na vida
da vida…
do ser…
ou do estar.

Mas respira.
Então possivelmente é.


Strangle, de ~EkoKaos no deviantART.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Blecaute *de motivos endógenos*

Ele mordia a haste da caneta enquanto os dedos batucavam as teclas. Números e mais números. Na tela, uma série de gráficos dançava, a cada novo “Enter”. Ele sorria menos do que franzia a testa. Cada trajetória sabia ser pior que a última. Aquelas mãos vinham apertar-lhe os ombros.

- Ainda preocupado? – Tentava acalmá-lo, mas estava ela também apreensiva. – Só mais um pouco, vai… quando passar essa empreitada toda, a gente vai poder relaxar.

Olhava-a pelo canto dos olhos e deixava os dedos apenas alisarem o teclado, como se não quisessem parar de digitar. Respirava fundo, pensando na promessa daquelas palavras. Era uma mentira, claro. Aquilo resolvido, viria outra coisa… e a cada outra, seguiriam sabe-se lá quantas.

Ele já concluíra que a natureza do tempo era a crise. Cada momento de estabilidade, próspera ou não, era passageiro demais. Em um espaço maior, de uma vida, de uma história ou do mundo, só haviam mergulhos e decolagens.

- E se a gente não puder relaxar? – Ele voltava o rosto para ela, com ar sério de Inquisidor.

- Aí… vc vai gostar mais ainda, não é isso? – Ria baixo e breve, com jeito quase de deboche. – Qual seria o seu prazer, sem um leão pra matar por dia?

Os dois riam. Ele de um jeito mais nervoso, ela, mais sincero. Os dedos voltavam às teclas e gráficos voltavam a dançar, pelos pixels de uma tela alheia a tudo. Cada pedaço da equação mal sabia que fazia parte daquela conversa. Daquelas preocupações.

Era o papel deles, viviam de mudar o mundo. Cada tecla desencadeava incontáveis linhas ao tecido do tempo. Cada “Enter” firmava-as em seu lugar. Ele sobreavoava possibilidades quase infinitas, ela moldava cada lugar.

E, como se ouvindo a dança de olhares dos dois, tudo apagava-se. Silenciava…

- Que hora pra faltar luz, hein! – Agredia teclas em vão, pensando no quanto se houvera desfeito, desde o último salvamento.

- Não consigo imaginar hora melhor. – Ela trazia uma vela já acesa, da cozinha. – As cordas ainda estarão lá, mesmo que você não possa brincar de movê-las. Deixe o universo descansar um pouco.

E sorria para aquele anjo, com jeito de bruxa travessa. Deixando a vela pingar na palma da própria mão. Sorria, como se não fosse ela. Para que ele deixasse, também, de sê-lo.


Fire hand, de ~SakuaHarioto no deviantART.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Pela floresta – parte II

- Leia aqui a parte I -

Ele percorria os painéis com os dedos, lentamente avaliando as leituras da tela. Os olhos esguios divisavam bem as cores fortes da nave à sua frente, apesar da distância. Rainha Vermelha era um nome apropriado, com certeza. O pirata quase lambia os beiços, tentando adivinhar o que ela carregava.

A Lupin IV era um tanto menor, em comparação. Navegava por aqueles asteróides com facilidade, oculta aos olhos, em suas cores de grafite e azul escuro. E ali, mesmo os radares normalmente deixariam de notá-la. Um mar de rochas, metais, poeira e ondas magnéticas.

A presa começava a girar sobre seu eixo. Ele pensava no quanto a jovem capitã demorara a obedecer as ordens do Comando, para mudar de curso. Estava claramente insatisfeita em ter de fazê-lo.

Não, ainda não era hora de dar o bote.

O computador começava a calcular a nova trajetória da nave escarlate em seus monitores. Teria tempo, até que deixassem o campo de asteróides.

***

Scarlet tirava o capacete irritada. A aceleração para o novo trajeto, às vezes interrompida pelo alerta de colisão e os motores de manobra acendendo, dando trancos, desviando do que quer que fosse. Mesmo ágil, para o seu tamanho, ainda era uma nave grande demais para atravessar os destroços àquela velocidade.

- Deve querer que eu envelheça aqui dentro, pra ficar igual a ela. – Rangia os dentes.

Arremessava o painel de navegação para o lado, fazendo com que ativasse o sistema de som. Talvez precisasse relaxar um pouco, mas queria ritmo para todo aquele balanço dos foguetes. O som começava, explodindo o ar à sua volta, na cabine. Ela quase sorria.

Fechava os olhos e estava em casa, novamente. Um lugar tão distante no espaço quanto na memória. Fingia sentir sua cama sob si, enquanto respirava fundo o que quer que o vento trouxesse pela janela. Tantos aromas e toques do ar da manhã. Seria manhã, lá, agora? Não importa, realmente. Estava em casa…

Um apito a trazia de volta. O som agudo do alerta de presença interrompendo a música e parecendo arrancá-la daquele momento à força. Ela buscava rapidamente a tela dos radares, com o canto dos olhos. Nada. Provavelmente apenas o reflexo passageiro de algum pedaço maior de minério, vagando por entre as rochas. A música voltava em seguida.

- … merda de asteróides.

Fechava os olhos, uma vez mais.


Pepper Look, de =thali-n no deviantART.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Clímax *de um relatório policial*

- Acredita que ela nem estava me ouvindo, e eu ali abrindo o peito pela primeira vez desde que tínhamos nos conhecido?

- Ã-hã… e isso te chateou, né? – A voz saíra mais entediada do que ela queria, mas aparentemente o outro não notara. Continuava apenas falando, no mesmo tom irritado.

- … sabe como é difícil, porque tipo assim…

Tentava se concentrar no que estava fazendo, mas também não queria irritá-lo ainda mais, então precisava continuar balançando a cabeça e comentando a respeito.

- Sei, sei… é foda, isso. – O que quer que fosse, aquela resposta caberia. Ao menos até que o tom de raiva de seu interlocutor recedesse. Aí sim, teria que prestar mais atenção.

- … e pôxa, eu não estava pedindo nada de mais, né?

- Claro… que não. Claro que não! – Um deslize. Precisava terminar rápido, para poder estar atenta a ele. Só mais um pouco… sentia aquela pressão aumentando e seus dedos aceleravam-se, naquele vai-vém cada vez mais difícil. Não podia parar agora. Quase lá.

- Mas aí você vê… ela me traiu… e agora, aqui estamos nós.

- Sim, claro… e eu quero te ajudar. – Boa resposta! A pressão enfim cedia, ela respirava mais fundo que nunca e girava seus braços na direção dele sem nem pensar exatamente no que estava fazendo… gritavam, os dois.

As cordas caíam ao chão, bem pouco antes dele. Ela corria para fora, daquele quarto escuro, enfim… os dedos sangrando, cortados pelo mesmo caco de espelho que lhe dera liberdade.

- Obrigado… – Ele ainda balbuciava, quando enfim percebeu que era o próprio sangue, ao seu redor, no chão.


Murder, de ~XPeaceXLoveXRawrX no deviantART.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Decolagem. *rumo a novos reinos*

É assim… impossível precisar de quanto em quanto tempo, mas algo o coloca novamente em um movimento quase fora de seu controle. A mente perde-se em um fundo pálido, que entorpece-lhe os sentidos e a pele.

Corre. Cada passo como se pudesse destruir o chão de pedra sob seus pés. Não tão pesados quanto resolutos. O frio de seu reino, soprando até o parapeito do Palácio, vindo do Vale das Lágrimas. Invade o salão, acolhendo os espíritos que gemem no tremular de cada estandarte e dos candelabros de ferro.

O Rei Troll sorri. Sente toda a surreal paisagem de seus domínios querendo mudar, ante o novo embalo. Como se o próprio solo e o céu o temessem e quisessem abrir-lhe caminho. A corrida se tornando um salto, rumo aos desafios de sempre. E, como se em uma gigantesca explosão, tudo toma nova forma.

O sorriso do Rei uma vez mais, como tantas outras, dando lugar ao do Andarilho. As asas descortinando-se em um misto de aço, vidro e luzes, ao seu redor. Ele se permite acomodar à cadeira, em meio à absurda aceleração. Deixando até a luz para trás.

Talvez não haja mais um reino. Seu trono, agora, é o do mundo. Pertence à imensidão de tudo o que possa existir. UmTroll, na única imensidão que lhe pode conter.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Alçar… *da beira do precipício*

E se às vezes eu não souber de tudo?
Se mesmo tentando, eu nem puder fingir?
Se certas horas, perder forças e palavras?
Se, tão incerto, eu me esquecer de sorrir?

Me ajuda a lembrar?
Me faz esquecer?
Me ensina a lutar?

Não…
Nunca foi meu papel, te levar nas costas.
Mas eu lambo as suas feridas.

Vai ao menos entender?

Sim.
Todos podemos fraquejar.
Mas não nos deixar abater.

Todos temos asas…
… só nos falta ver.


wings, de ~johnfuller no deviantART.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

… aguçado

Dedos, lábios, dentes, língua… às vezes ela esquecia o quê exatamente a tocava, ou, de olhos vendados, se perdia tentando entender. Cada deslize entreabria-lhe os lábios e um suspiro, teimoso, deixava-se fugir por eles.

A manhã esgueirava-se janela adentro e cobria-a com aquele calor de céu azul de primavera, enquanto todos os sentidos aguçavam-se, na ansiedade do próximo toque. Ele continha-se, cruel, apenas para vê-la tremer em antecipação. Ela sabia disso. Sentia o olhar dele sobre si, mas permanecia parada. O impulso era de tentar estender a mão até a fonte daquela respiração profunda, que podia ouvir.

Imaginava o sorriso ao rosto de quem apenas lhe espreitava e o quão rápido aquilo podia sumir, se não permanecesse quieta como havia sido ordenado. Nada a prendia, senão aquela tôrpe devoção. E o desconforto da idéia por alguns segundos a atormentava. Como se humilhada, por obedecê-lo tão prontamente, sentia um aperto como se tentasse engolir uma maçã inteira. Queria chorar. Quem era ele, pra deixá-la ali, assim?

E então o toque, novamente… sentia as pontas daqueles dedos às suas costas e sobressaltava-se com o quão gelados estavam. Suspirava profundamente, uma vez mais, e toda a incerteza deixava-lhe a mente. Assim como toda certeza. O gelo frio entre os dedos dele, deslizando por trás de seus ombros, como se desenhando-lhe uma linha, descendo por trás de seus braços.

Agradecia em voz baixa, por aquelas asas tão sutis.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pela floresta – parte I

Ela checava atentamente os instrumentos, a cada cinco minutos. Nada no console principal nem nos sensores óticos. Todos os sistemas normais. Eram apenas ela, 9 toneladas de aço, plástico e fiação, e o espaço negro, repleto de estrelas. Aqui e ali, um asteróide… e lá também… e às vezes alguns bem perto… os sensores ativavam a propulsão de manobra muito em cima e isso a irritava um pouco.

Haviam lhe pedido com todas as palavras que não fosse por aquele caminho, quando deram-lhe a missão. Mas era tão mais rápido que não fazia sentido. Ainda mais para uma entrega a ser feita em sub-luz. Sentia-se acorrentada, em não poder utilizar os motores de salto. Mas o que quer que fosse a carga, não suportaria a aceleração. Culpava a inércia, por entre os dentes.

Os olhos deslizavam para as câmeras do compartimento inferior. Uma caixa tão pequena presa ao chão. Era de madeira, com cores pintadas na tampa, de avisos em vermelho e branco. Vista de relance, lembrava-lhe uma cesta de piquenique, daqueles programas nostálgicos de entretenimento. Ria baixo, imaginando tamanha tolice.

- Scarlet! – A voz chiava tão repentina e alta, em meio a toda a interferência dos asteróides, que ela assustava-se com o rádio.
Segundo informação nos monitores, a transmissão vinha direto da Nave-Mãe. – Onde diabos você está? – A comandante soava bem mais furiosa do que o normal.

- Estou bem, Nave-Mãe. Só muita interferência… segundo as leituras, vem da sílica dos asteróides, ou coisa assim. – Alcançava o capacete, ao lado da cadeira, para ter algo a abafar a gritaria que, já sabia, iria ouvir. Polia, vaidosamente, o lustro vermelho, antes de vesti-lo, enquanto apenas os chiados da respiração que acelerava-se do outro soavam na comunicação.

- Eu lhe ordenei! Por quê diabos está seguindo esse curso?  Acha que pode brincar com as minhas ordens, assim? Retrace seu curso AGORA e tire sua nave daí o quanto antes, ouviu bem? – Scarlet pensava no quanto os chiados causados pela estática faziam-na soar como um dinossauro e segurava-se para não rir. – O Comando proibiu quaisquer passagens por esse cinturão até que os Lobos do Espaço fossem capturados.

- Nave-Mãe, a senhora está falando de história antiga. Aqueles piratas abandonaram isso aqui faz tempo. Ontem mesmo estavam sendo caçados há anos-luz-

- Não interessa, Rainha Vermelha! São ORDENS! – A comandante provavelmente já babava de raiva, do outro lado.

- Sim, Mamãe. – Soava claramente entediada, quase birrenta. – Traçando novo curso… para perder mais dois meses e levar essses doces para a vovozinha… – Desligava o sistema de comunicação, aborrecida, e puxava os painéis de navegação para o colo, vendo os mapas se desenharem aos poucos na tela. A interferência dos metais naqueles asteróides era especialmente incômoda, para os sistemas de trajetória. Todo o resto continuava verde. Normal.

 
Pepper Groove, de ‘Artgerm no deviantART.

***

Era uma bela nave vista de longe, a Rainha Vermelha. Mais bela ainda a voz de sua capitã. Tinha ouvido um bocado daquela transmissão, decidindo se a presa valia sair de sua toca.

E o que quer que fosse, parece que irritaria muito o Comando, se
um lobo pegasse.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Religare

Estavam os sacerdotes, ali, todos com as mesmas roupas, os mesmos trejeitos e os mesmos olhares. O ritual começara, o círculo de homens se aproximando do altar cheio de escrituras, marcas e previsões horrendas. Repetiam mantras uns para os outros e para si mesmos, sem nenhuma conclusão ou resposta… apenas fé.

O altar lhes respondia, exigindo toda forma de sacrifícios e provas cegas de devoção. A cada mover daqueles desenhos, tudo ia tomando forma, mostrando um caminho. A saída que eles e os seus precisavam. Como toda trama divina, não era diferente que haveriam decisões difíceis dali em diante. Se entreolhavam, os membros daquele clero, antes de começarem a dividir tamanha responsabilidade.

Saíam dali, cada um com uma missão. Precisavam salvar um mundo em que todos lhes eram fiéis. O último deles estendendo a mão para o altar… desligava o viva-voz.


Business As Usual, de ~2dforever no deviantART.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Asas abertas

Mantinha os olhos abertos, com certo esforço. Notava o quanto o cansaço a alcançaria, se os fechasse por mais do que aquelas frações de segundos, teimosos que eram. O dia inteiro se passara e agora, finalmente fora de toda a loucura e correria, ainda não poderia descansar.

Era muito o que a prendia, ali. Cada laço e cada volta de suas preocupações apertando-se aos poucos, por cima das juntas e ao seu redor. O trabalho lhe atava as pernas, cansadas, ameaçando deixá-la cair a qualquer instante. Família trazendo suas mãos às costas, em voltas cada vez mais firmes. Homens que lhe rodeavam o corpo em voltas lascivas e faziam-se em nós por sobre e sob a pele.

Tudo tão opressivo, tão cheio de pequenos tormentos tornados imensos. E ali, finalmente longe de tudo, lutava apenas para manter-se desperta. Era seu papel não imposto, mas sim aceito de bom grado. E lembrar disso lhe trazia mais forças. Ali, era questão de orgulho. De entrega…


Shibari IV, de =koruptid no deviantART.

Àquela última volta, ele puxava toda a corda e firmava-lhe a amarração ao redor do corpo. Seu fôlego escapava todo de uma vez, como se num susto, e ela suspirava. Misto de dor, apreensão e prazer. Não estava mais nua. Vestia o cordame porque ele assim queria, mas entregava-se a ele com toda sua vontade.

Se sentia livre, pela primeira vez naquele dia… o corpo leve, porque estava como a mente. Não era, ali, de suas preocupações.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Jogos que jogamos…

Corria, como em muito tempo não pudera correr. E aquilo era bom. Sentia o vento à face e isso o ajudava a ignorar o quanto suava. Era novo, porque cada um daqueles momentos sempre o seria. O coração acelerado, pulsando pelas veias até o pulso, o punho… até a espada.

A terra sob seus pés, antes tapetes de grama imaculada, ia sendo marcada pelas pisadas firmes e pelos fluidos e entranhas que gotejavam de suas roupas e da arma. O quanto daquilo podia ser seu, sinceramente, não lhe importava ali. Enquanto não sentisse dor, não pretendia parar. Sorria, ao mesmo tempo que respirava fundo. Golpe a golpe. Ao longe, aguardavam-no no Palácio. E era tudo o que realmente valia a pena.

 
+Rodeur+, de *BoryChan no deviantART.

Ninguém podia dizer como aquele jovem guerreiro seguia, tão resoluto. Mas sabiam que não conseguiam atingi-lo, decerto. Sua espada parecia dançar à luz do sol enquanto aquelas gargalhadas traziam um tormento final às suas vítimas. Uma a uma abriam caminho, mas não por opção. Tombavam, como se formando-lhe uma trilha macabra sob os pés.

Cantarolava… o pequeno, quase insano, repetia todo tipo de frases tolas de canções, algumas horas até mesmo dançando ao seu ritmo, como em coreografias da tela da TV. As mesmas batalhas de sempre, mas os golpes leves. O Rei Troll dormia, ignorava o menino guerreiro enquanto esse limpava seu reino de mais aquelas bestas.

Era bufão, pq sempre fôra de sua natureza… mas jamais vira tudo tão claro quanto naquele momento. Um metamorfo, uma das crianças bestiais da natureza, espiando a investida daqueles seres com olhares argutos, felinos, antes de surpreendê-los com o próximo golpe. O sobretudo, tão antiquado e puído, lhe dava um ar de pícara soberba.

Divertia-se, talvez demais, com tudo… a respiração aos poucos retomando seu ritmo normal, mas o ar de empolgação incessante. Pisava cada degrau com ar de grandeza, mas deixava a ponta da espada desbastar-se, arrastando por sobre o granito, como se quisesse apenas fazer barulho.

Estava em casa e podia suspirar, bem fundo…

“Amor, a pia da cozinha quebrou de novo.”

… mas não poderia, ainda, descansar.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Travessuras, III de III

- Ler a Parte I
- Ler a Parte II
------


well, de =bagnino no deviantART.

Ela era realmente a coisa mais bela que já vira à beira do poço. Seus olhos incansáveis, apesar do adormecer de eras, o haviam feito despertar, à visão da sorridente menina em seu ato de liberdade.

Do fundo daquelas águas, borbulhava em fascínio e fome, enquanto estendia-se pelas paredes escorregadias de pedra desbastada. Subia, sem um som sequer exceto o sibilar da própria respiração… a boca entreaberta, o olhar aguçado. A escuridão de seu lar ancestral não o incomodava. Do alto, escutaria-se apenas com atenção, o gotejar que aquele soturno alpinista deixava cair sobre o espelho de água escura, bem ao fundo.

***

O homem que a tudo admirava abriu-se o arregalar em espanto. Estendia a mão, como se quisesse gritar para avisá-la, mas o horror fôra maior e tomara-lhe a voz. Uma lágrima escorrendo pelo canto do rosto, a única coisa não paralisada pelo medo.

***

Sua avó lhe avisara muitas vezes que não se aproximasse dali. Cada história mais terrível do que a última. E ali, quis gritar por ela ou por qualquer um…

A primeira coisa que sentira parecera-lhe uma carícia aos cabelos. Demorou a perceber que não poderia haver mais alguém, ali. O que lhe envolvera a cintura, cinzento e frio, em nada parecia que já poderia algum dia ter sido um braço.

A dor vira rápido demais, insuportável, arrancando-lhe o fôlego e as forças. E foi quando seus olhos enfim notaram o humilde trabalhador. Estendia-lhe a mão, em desespero…

Sua avó lhe avisara muitas vezes que não se aproximasse dali… pedia perdão a ela, enquanto o céu estrelado distanciava-se, acima.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Travessuras II de III

- Leia a Parte I
------


well, de =bagnino no deviantART.

A respiração profunda talvez o entregasse, se houvesse alguém olhando. O olhar fixo certamente o faria. Fato era que não conseguia mais deixar de vê-la. Tinha os traços delicados da mãe, mas ficavam ainda mais belos desenhados em pele tão nova e lisa. Imaginava-a ao toque como seria um pêssego.

Suas mãos ainda separavam pedras, ervas e raízes, sentindo a terra por entre os dedos, mas não com a mesma atenção. Seus olhos desenhavam aquele ser etéreo, tão ao longe, e sua mente percorria-lhe as pernas, carinhosamente. Deslizava sensações rudes da pele calejada e queimada do sol, por aquela beleza alva.

Trabalhava o solo agora quase como se acariciando-o, em meio a fantasias particulares. Não ousava erguer-se de como estava, ainda que ela sequer olhasse em sua direção. Sentia-se envergonhado em invadir-lhe a privacidade, com aquela fixação, e devassar-lhe tanto mais, com seus pensamentos.

Parte de si queria agir por instinto. Não havia mais ninguém ali e ela se houvera afastado o suficiente da casa, para que ninguém pudesse ouvi-la. Uma monstruosidade de si mesmo tomava conta daquelas fantasias e via-se numa fúria de arrancar aquelas roupas delicadas e rasgar da jovem sua inocência. Agarrava-se a raízes como se  àqueles cabelos claros. Devassava o solo, a própria respiração mais acelerada.

E ali, em toda sua contida fúria, ela o notara. E com o semblante despreocupado, como se não tivesse medo de nada do que pudesse adivinhar de suas intenções, sorria.

Sorria para ele. Aplacava a besta em suas entranhas, alimentando-a apenas daquela beleza, em meio à noite.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Travessuras I de III


well, de =bagnino no deviantART.

O poço era de pedra fria, os dedos delicados podiam sentir. Deslizavam pela borda, sentindo onde o vento corroera os cortes antes lisos e limpos. Sulcos, marcas… adivinhava silenciosamente a história de cada uma, com um sorriso por vezes tolo, nos lábios.

Os cabelos de um castanho tão claro, quase louro, eram tingidos de rajadas prateadas pela lua cheia. Respirava fundo, sentindo o vento brincar-lhe por entre as vestes, pela pele clara. Sentia-se liberta, ali, apoiada sobre a lateral dos quadris, com jeito de arteira. Sempre tivera medo daquele lugar, quando criança. Sua avó lhe avisara muitas vezes que não se aproximasse dali. Cada história mais terrível do que a última.

Mas ali estava. E sozinha. Era um tipo de vitória, o que o brilho de seu olhar lançava pelos campos ao redor. Carregava-lhe a beleza, os lábios em pétalas e as faces rosadas, mesmo sob a luz pálida.

Ao longe, um dos peões trabalhava a terra para o plantio do dia seguinte, sob o brilho fraco de uma lamparina. E foi ele que aquela beleza tocou, ainda que distante. Distraíra-se, vendo a menina percorrer o chão fofo que acabara de revirar, sem notá-lo em seu caminho. Seu rosto enrugado e marcado pelo sol, as mãos grandes e ásperas, mas quase incansáveis no remexer do solo. A enxada apenas não removeria as pedras e ervas.

E do sorriso dela, tão frágil e belo, vinha a ele a vontade de também sorrir. Ali, acocorado por sobre a terra, apoiava os antebraços sobre os joelhos e admirava, descansando os braços para cansar a alma. Quase sorria, ele também.

------

Parte I de III.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Chiaroscuro

É curioso. Você está caminhando pela rua e ouve uma música dançante. Parece que parte de você ganha vida própria, para balançar um pouco que seja. Faz parte da cena: música boa quer remelexo. E mesmo não sabendo o que é bom pra você, vai dar pra descobrir.

Linguagem corporal. É o que nos entrega sem querer. Cretina. Quem anda te lendo? Quem me lê, assim, que anda por cada entrelinha minha? Uma pessoa certamente especial, garanto. Vê e viu o meu balanço, percebeu onde, como e pra que sons eu danço. Me desvendou à primeira vista, pra me desarmar em segundas intenções. E, assim, nunca nos enganamos.

Muito menos naquela noite… os olhares se encontravam, malícia de ambos os lados. Era outra dança, eram muitos outros sons. Ela achou silencioso demais, até perceber como aquilo tudo mexia comigo. As mãos percorrendo a pele escura, agarrando aqueles quadris perfeitos. Respirações ofegantes, gemidos hora de dor, hora de prazer.

Era tudo nosso, ali, e me entreolhava como quem quisesse mais. Queria sentir-me mais, por cima de si e me puxava sem mover um dedo. Os lábios que sempre me enlouqueceram, o brilho no olhar. Eu ofegava. Ela deliciava-se… e ali, entre nós, uma escultura em ébano se desfazia em êxtase.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Refletir-se

E o mundo me corre por entre os dedos, toma o vento. Vira mundo novamente, porque fora do meu controle. Adoro. Abro os braços e caio. Eu poderia gritar, mas só sorrio.

---

bato com o pé 
e poderia gritar
mas só me calo


falling dream, de ~C0UG no deviantART.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Ca-ca-ca-cara de quê?

É tenso. Você está correndo pelas decisões que precisa tomar. Tem certeza de que não pensou o suficiente naquela última jogada, mas tem a mesma certeza de que não haveria tempo pra isso. Resta-lhe aquele borrão de mundo que passa batido, pra onde quer que se olhe.

Começou como um blefe. Nada complicado de se fazer, quando se tem poucas fichas à mesa. Difícil não suar, numa hora dessas. Cinqüenta a cinqüenta, sabe? Risco escroto, calculado assim… frio. A cabeça estava entrando no esquema pra pensar desse jeito, sem você nem notar. Números, em tudo o que se vê. E cada escolha deixa de ser “aposta” pra virar “operação”. Eufemismo estúpido.


Cards, de ~JohnnyP3 no deviantART

Mas foi blefe só até a virada. Ali, dois viraram três e a meia chance disparou. Ainda não era tudo, mas virou muita coisa. A corrida desabalada virou impulso para cada nova decisão. Você não pensa o suficiente porque, no fundo, não precisa. Ali, pensar seria ter medo demais, por estar tão longe.

Tudo”. Acabou de sopetão, com o barulho das fichas indo pro meio da mesa. Todos ainda em jogo. Todas as cartas abertas, menos uma… as pernas enfraqueceram, por um instante. Chronos tinha a melhor mão e, ali, estava valendo tudo. A tríade sempre foi uma “operação” traiçoeira. Que perfeito que nada, número amaldiçoado.

Uma eternidade, até o river… percorrendo os segundos antes da última chance. “Que seja”, você pensa. “Pode vir”. Treme, quando ela chega. “Fullen, valetes com quatros.”

E o impostor vive para ver mais um dia.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Simpatia pelo…

Eu sou o incomum, o diferente, o novo. Eu sou mais que meia dúzia de contestações, fui uma das primeiras. Eu sou o surto do filho, explodindo até o quarto sem bater a porta. Eu fui essa porta, abrindo para mil caminhos. Fui a mão e o punho, hoje sou outra dor e talvez um punhado de sorrisos… todos sádicos.

Sou o leito de seu salgado pranto, percorrendo as paisagens insólitas da realidade velada, até o lago das almas. Sou o vento de um rasante da sanidade alheia, brincando de errar o chão. Percorro o calor corado da alva face do mundo, despencando de olhares sem alento.

E no fim de tudo, sou o tolo. Me faço bufão. Contesto a lógica, aquebranto a razão. Despenco-me em mil pedaços, cara no chão. Sou fruto e flor de rimas, métrica e perdas. O percentual de um desvio-padrão torto e sem sentido para linguagem alguma. E quem há de dizer que não é esse o momento mais importante?


jester, de ‘aeterne, no deviantART.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Pq é 11/01, mas tá quente pra burro…

 
Há 28 anos, às 18H15, o Universo pode ter cometido um grande erro. Eu só tô tentando acertar tudo, pelo caminho.

Moral do dia: “O tempo não é eletivo”. A regra é curtir muito, o dia inteiro, povo! Mesmo sendo segunda-feira.

Valeu por mais um ano.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Orgásmico

- É simples… se chamassem de Ponto Grafenberg, soaria feião… tem que ser algo sensual, saca?

- Não, não saquei… nunca achei letra nenhuma sensual, na verdade.

- Nem o “S”? Pq tem curvas, soa interessante…

- Cara, você tem algum problema… tá falando em transar com o alfabeto, agora!

- …  mas foi você quem lembrou do G. Só isso.

- Esquece o G, então.

- Tá bom. Mas como eu vinha dizendo, a gente tava no cinema e aí ela…