Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Entre o Preto e o Branco

* Texto escrito a convite do blog Biscate Social Clube e publicado em 09/12/2012.

Machismo. A palavra me incomoda um bocado e por diversos motivos. Já correndo o risco de irritar quem me leia, aqui, o principal deles é a facilidade com que ela é usada para justificar argumentos nem sempre tão “preto no branco”, assim. Mas somos uma sociedade maniqueísta, que gosta de polarizar questões, dessa forma, e com isso cobrar que uma pessoa (e TODA pessoa, aliás) esteja deste ou daquele lado. O fato é que não existem apenas dois lados. Toda questão social tem seus 2, 20, 50, 250 tons... os infinitos pontos da reta. E o quê isso tem a ver com o livro “50 Tons de Cinza”? Bem pouco, em não ser uma narrativa nada sutil, mas muito em contar uma história pra lá de machista.

Quem sou eu? Aqui e para este texto, eu sou Mestre Addam, um fetiche que descobri relativamente mais cedo que a maioria das pessoas que conheço. Sim, ser esta persona é um fetiche meu, e dos mais prazerosos. Dominador, torturador sádico e mentor no uso de agulhas e facas em práticas eróticas. Machista? Sempre me pergunto isso e acho que não é algo que eu consiga responder, mas gosto de pensar que não. Que em toda mulher que já veio a mim para cenas e/ou relações sadomasoquistas havia o desejo consciente desse mesmo fetiche. Me apóio em um dos preceitos da prática de Bondage, Dominação e Sadomasoquismo (BDSM), de que o divisor de águas entre o fetiche e a violência doméstica é que toda prática seja Sã, Segura e Consensual. (SSC) O problema é que, como em meu primeiro parágrafo, são conceitos abstratos o suficiente para também entrarem na dança de que mero “’ser’ ou ‘não ser’” pode falhar em definir certo e errado: SSC ou não-SSC?

Sob esse ponto de vista, o título do livro vem então cheio de promessas, certo? São pelo menos 50 tons da coisa, que veremos em nuances delicadas, enquanto nos deixamos envolver por esses tantos desejos, sabores, sensações. Críticos e fãs dizem que é uma obra que vem desnudar e escancarar os segredos de toda mulher, com suas fantasias. Mas se for acreditar nisso, é ainda mais preocupante.

Temos uma protagonista, jovem adulta chamada Anastasia (pelo simples motivo que os editores disseram à autora que ela não poderia publicar como no texto original, em que ela se chamava Bela), que na realidade só é maior de idade em seu RG, mas com a clara mentalidade de adolescente deslumbrada de 16 anos. Ela é uma mulher certa de suas convicções. Do outro lado, Christian Grey (que, da mesma forma, os editores deixaram claro não podia mais se chamar Edward) é um homem bonito, com aquele desdém altivo que uma adolescente de 16 anos acha o máximo em seus ícones pop e, muito importante à trama, rico. No entanto, Christian é parte de uma subcultura perigosa – e atraente – de sadomasoquistas (porque os editores nem precisaram dizer que a autora precisava mudar a parte “vampiros”, da coisa).

Sim, o texto surgiu como uma fanfic erótica de Crepúsculo, mas essa não é sua pior característica. Releia o parágrafo anterior e você verá que eu coloquei a importância da riqueza do galã acima de sua característica fetichista. Ana, a protagonista de fortes princípios e toda sua certeza adolescente do que quer da vida, claramente rejeita os fetiches de seu “príncipe encantado”. A princípio. Mas Christian sabe bem ‘comprar’ a consensualidade da parceira, ao longo de uma história que nem tenta esconder seus tons (!!!) de material girl – Madonna, excelente para a trilha sonora do filme, hein! –, demorando-se em detalhar e descrever marcas e patentes de todos os presentes que a aos-poucos-submissa Ana vai ganhando de seu cada-vez-mais-Mestre Grey.

Méritos? Vários, no entanto. O livro sucede bem em trazer à luz práticas tão tabus quanto interessantes, ainda que claramente não seja essa sua intenção. A aceitação do fetiche é talvez seu maior ganho, ainda que (ao menos o primeiro volume) encoste apenas na casca de uma gama de práticas possíveis. Resume BDSM a bem pouco, sem deixar sombras o suficiente para que leitores vislumbrem o universo de outras possibilidades, em sua própria imaginação. Apresenta a ritualística por trás da relação Dominador/submisso (D/s), um interessante movimento de tentar ordenar o caos de sensações e desejos que envolvem a interação entre Top e bottom (termos genéricos, facilitando a identificação de papéis sem distinção de gênero, das partes), presente na forma de um contrato entre as duas personagens – o qual Ana recusa-se a assinar, claro.

Em relações D/s, a questão contratual é importante no sentido em que não há consensualidade sem que ambas as partes possam estabelecer seus limites – bem como a disponibilidade a testá-los ou estendê-los. Não é algo que necessariamente esteja colocado em papel e tinta (embora possa ser parte da diversão, estar), mas cabe ao Top explorar essas barreiras e dar ao bottom a segurança de que serão respeitadas. A existência de uma palavra (ou gesto) de segurança, estabelecida como “freio de mão” a qualquer cena ou prática é normalmente o que mantém essa noção do ato consensual, não importa o fetiche sendo explorado.

Portanto, é quase correto dizer que “o poder está nas mãos da submissa”. Uma premissa muito lógica, com todo o exposto aqui, e uma percepção que o livro arremessa janela afora, com a “consensualidade comprada” de Anastasia. Sua submissão física e psicológica a seu Dono está claramente condicionada ao deslumbre causado pela condição financeira do mesmo e a uma horrível ligação disso com a noção romântica de amor. Críticos da obra dizem que o problema do livro está em uma mulher ceder a posição de igualdade com seu parceiro, na cama. Digo que é bem pior, em que ela cede a sutil superioridade que as fantasias de uma submissa têm sobre os desejos últimos de seu Mestre.


Não defendo aqui que o Top seja estritamente dominado pelos limites de um bottom, mas que é o seu maior desafio moldar sensações e desejos da pessoa submetida aos seus prazeres, criando a sensação da perda de liberdade. Seja usando de vendas, algemas e mordaças ou da vigilância quase opressiva de um olho de poder foucaultiano. (em um aspecto bem mais psicológico do ato da dominação) É delicioso – e me permito o deslize analítico, aqui, por que é mesmo! – ver o comportamento e a postura da pessoa dominada ir mudando, à mera presença de uma figura que lhe chega cheia de regras, vontades e exigências, sem que essa sequer pronuncie a primeira palavra. Mas por que isso é parte de um fetiche, um contrato entre os dois. Qualquer dependência inerente a essa relação precisa estar ligada à adrenalina, ao prazer, ao desejo (até mesmo da dor), à afinidade entre as partes.

No primeiro volume da trilogia de 50 Tons, o contrato toma tons de negócios, meramente. Grey com seu dinheiro (e todo o glamour que ele traz), Ana com seu amor. Condicionar o fetiche a qualquer dessas duas coisas é, para mim, o principal desserviço do livro a seus leitores. Ver surgir, em meio aos seus fãs, frases como “sem amor e romance, BDSM não passa de violência doméstica”. Não é preciso haver amor, para que haja o sentimento (mesmo meramente teatral) de posse, mas, principalmente, não é preciso haver posse para que haja amor. O fetiche da posse do outro, a excitação sexual com esse pertencimento, é até muito mais saudável que a assumpção formal dessa mesma posse por causa de qualquer papel assinado em cartório.

Sinceramente, falho em ver qualquer tom de são, seguro ou consensual em muitos casamentos e relacionamentos tradicionais, por aí. Mas ir além de apenas 2 ou mesmo de 50 tons da coisa pode mostrar toda uma dissonância (e distância) necessária, entre amor e sexo.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Tons dissonantes

"Mas esse jogo é para ser jogado por dois afinal!"

Tinha falado aqui sequer sem pensar. Só podia. Andara lendo as coisas erradas, não é mesmo? Mal podia entender qual realmente era o seu papel, ali. Pagaria o preço por trazer tais concepções àquele quarto?

Um estalo forte. A vara fina parecera inofensiva, até aquele primeiro golpe. Teu suspiro cheio de surpresa e medo, mesmo abafado. O corpo balançava-se à frente, na fútil reação de tentar escapar. O bambu cortava o ar uma segunda vez, agora trocando de coxa. Era quase uma agulha, de tão fina a dor. O frio da pele nua deixando de ser, no calor daqueles golpes. Agora já quatro deles. Lados alternados.

O silêncio entre uma música e outra é ensurdecedor... mas não pior do que o que precede cada golpe. Agora um piano... seu corpo por um momento sentindo a música, antes de ouvi-la... a primeira frase te cortando a mente: "What do you do when you know something's bad for you... and you still can't let go?" O próximo estalo sobe, pela sua perna, ameaçador... consegue sentir a venda umedecendo de sua dor. SUa respiração quer falhar.

Um puxão aos seus cabelos e os dedos enluvados soltam-lhe a mordaça, deixando que ela escorra para fora de sua boca, toda ansiedade, dor e saliva...

- ... dói...


Por um momento, apenas a canção. Apenas minha respiração profunda... seus lábios ainda tão úmidos da mordaça, como se deixassem escorrer tua vontade... o couro negro que lhe acerta uma nádega é o da luva, agora. A mão pesada, em outra punição, a pele esquentando mais... percebe quando me inclino à sua orelha e digo, ainda mais baixo.

- Não é assim que se fala com seu Senhor, cadela. Você continua distraída. Pensa apenas na dor e não lembra como se portar. Enquanto for assim, será só isso: uma puta submissa.

O silêncio te oprime novamente, o som ficando mudo... Minha respiração calma demais. A próxima música traz pouco alento à tua dor... demora a tentar ouvir o que ela diz. A mente na frase "Is your faith in me?"

- Agora, como é que se fala com um Dom, vadia? - Por um momento, sei que você deseja que eu pelo menos aumentasse a voz. Gritasse com você... qualquer reação.

- Perdão, Mestre...

A luva de couro te marca de novo, vermelha... sua reação trazendo a lembrança dos nós aos pulsos... seus braços erguidos, acima das costas... a corda passada a uma viga de madeira, no teto, que sequer range ao seu sofrimento.

- Você quer ser mais que isso? Quer ser minha? - Novamente os lábios tão perto de seu ouvido... as palavras deixando minha boca na respiração cálida, q te lambe a face... que se parece tanto com o calor que lateja em suas coxas... em suas nádegas expostas aos meus caprichos.

- Dói! Mas sinto prazer, Mestre. Por favor, Mestre. - É você quem quase grita, alheia ao meu sorriso de satisfação. Sua respiração tenta retomar o controle, aos poucos.

- Quase isso, cadela... 

Novamente o puxão forte aos cabelos, antes a cabeça inclinando-se para trás, seu corpo arqueando contra as amarras que te mantêm de pé no meio do quarto escuro... meus dedos soltam a venda de seus olhos, deslizando a seda pelo rosto. Uma gravata, você se lembra. Usara minha gravata, pra te vendar, assim que entramos no quarto.

Seus olhos brigam contra a pouca luz do lugar e tens o sobressalto. Meu rosto bem à frente do seu... demora a lembrar-se de que não pode me olhar nos olhos e, por um momento, fecha os seus, como se isso fosse mais rápido do que desviá-los.

- Boa menina... agora, como é que se fala? Não seja uma vadia ingrata.

- Obrigada Mestre. Usa-me da maneira que melhor lhe agrada Mestre. Eu... eu quero mais...

Observo teu olhar baixo, tremendo pelo chão como se buscasse qualquer outro foco e sorrio.

- Ainda pode ter utilidade, pra mim, mas muito a aprender. - Me levanto... Você percebe q ainda não tirei o terno. As luvas, o tique de firmá-las às mãos, deixando o som do couro enervá-la. Sua cabeça baixa deixa o olhar fugir por seu corpo. Ali, nu, emoldurado por teus cachos castanhos... Os seios firmes, ainda intocados. Por um momento, se lembra da dor dos pregadores aos mamilos e estremece. - Anseia pela dor, submissa? Para merecer meu prazer? - Como se não disposto a esperar sua resposta, meus dedos lhe abrem a coxas, tocando seu sexo... O couro abrindo os lábios, em algo que em nada seriam caricias... levo-os, melados, até seus lábios. - Sente o cheiro, puta? Seu sexo ama essa dor.

- Mestre, tira as luvas. Por favor Estou muito excitada agora, consuma o que está aqui ao seu dispor.

Como se quase por instinto, um tapa lhe atinge o rosto. O calor dele te toma, por um instante, e em seguida apenas a sensação resta... Sem marcas ao rosto, você sabe que não sou tão descuidado. Me agacho, bem à sua frente, e a ordem soa clara. - Olhe em meus olhos, puta submissa... - O rosto bem à frente do seu, na mesma altura. As pernas flexionadas... Vejo tuas lágrimas e sorrio. Os dedos de couro agarrando seus mamilos, você percebe onde iam tarde demais e gela. Contém o impulso fútil de tentar tirar o corpo. Aperto-os firmemente, a dor aguda te levando a respirar fundo, antes de um misto de grito e gemido. - E você acha que merece meu toque, puta? - Torcendo, puxando com firmeza. - Então implore! Sofra para merecer que eu tire as luvas, cadela, implore por mais dor. - Seu corpo balançando contra as amarras, você aperta os olhos, a dor te tomando em ondas. Minha voz, uma ordem incisiva. - Te mandei me olhar nos olhos, escrava!

- Quero senti-lo dentro de mim, Mestre! - Os olhos ainda fechados, um suspiro profundo e resignado, os lábios mordidos. A voz baixa, fraca... - Olha... acho que não sirvo pra ser escrava, Senhor.

Em meio a suas palavras, minhas mãos deixam seu corpo e me ergo, começando a tirar as luvas. - Acha?

- Mestre, eu tô aqui cheia de tesão. Quero que me possua agora. Me açoita, me morde. Mas mete. Bate. Mas depois me beija. De maneira forte. Urgente. Mas eu não aguento mais. Te quero dentro. Pulsando. Me agradecendo pelo quanto fui obediente até aqui. - O olhar era de súplica, mas ardendo de desejo, ousando buscar o meu. Uma mão puxando a corda, em um movimento rápido, você mal vendo quando a outra tira do bolso do paletó a faca, cortando a amarra que começava a folgar-lhe ao redor dos pulsos.

- Se você acha que eu deveria lhe agradecer por tua obediência, está repleta de razão. Eu estava errado em chamá-la de puta submissa, antes. Você não é submissa. - Rindo baixo, guardo a faca, enquanto você se ajoelha ao chão.

- Mas sou sua puta, agora. Quero prazer... quero seu prazer.

Sorrio. - Teu erro estava claro assim que começamos, menina. Esse jogo não é para ser jogado por dois. A mesa é minha. A banca sempre vence.

- Obrigada, Mestre.

- Você anda lendo as coisas erradas.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Weaver


A dor é lancinante.

O cheiro é o meu sangue... ferro. Escorrendo pelas finas cordas como extensão de mim, querendo pintá-las. Como vibram! Essa melodia de estrofes precisas escondidas no caos, cortando dedos em desafio à carne. Um correr súbito queima, uma linha fugidia, antes que eu consiga puxar e retomar o controle. Os dedos se fecham mais, ignoro a dor.

Quisera puxar tudo à frente e fazer das linhas cordas. Das cordas, arreios. Mas não funciona assim. É um composto de forças, tensões, conexões. Qualquer linha que arrebente e é um mergulho em desastre. A história do mundo é feita de desastres e escrita por quem correu mais rápido. A primeira linha partida libera a tensão de tantas outras. Tudo posto em movimento rápido demais e sou eu retalhado no chão.

Não. É só ouvir a melodia. Esperar a próxima estrofe conhecida e fechar os olhos para o refrão. Deixar correr as linhas que se ameaçam partir, ainda que a dor seja contra. Não é puxar para si nem ver todas as linhas... é alcançar as que importam e tomar-lhes o rumo, em pequenos toques. Entender onde as notas se repetirão. Eliminar dissonâncias da pauta original.

É tudo tão sutil... como precisa ser com as coisas belas... como os verdadeiros males também o são, quase dormentes. Mas volto a reconhecer os tons. O cheiro incomodando mais que a dor, no respirar fundo.

Cabeça, enfim, fora d'água.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Vícios

- Ansiedade, disforia, irritabilidade, agitação, taquicardia, hipertensão...

- Sério? Tudo isso, então? E junto?

- Pode acontecer.

- Aaaaaahhh... explica-se, então.

- O quê?

- Minha condição... é abstinência.

- DEUS DO CÉU! O QUÊ VOCÊ ANDOU USANDO, QUE EU NÂO SEI? AIMEUDEUS, AIMEUDEUS, EU SABIA! SEU CRETINO! ESCONDENDO ALGO DE MIM, ASSIM! NEM PRA ME PEDIR AJUDA, É ISSO? E A NOSSA CONFIANÇA? NOSSA VIDA JUNTOS NÃO IMPORTA, PRA VOCÊ...

- Mas que outra explicação haveria? Vivo irritado, ansioso, agitado.. e os problemas do coração, lembra.

- EU NÃO SEI O QUE FAÇO COM VOCÊ, DEPOIS DE UMA DESSAS!

- Só não me deixa...

- HÁ QUANTO TEMPO?

- Desde sempre... todo dia, segundas a sextas...

- AIMEUDEUS, SÉRIO! Pera... como assim, de segundas a sextas? VOCÊ AINDA USA NOS FINAIS DE SEMANA, NÉ?

- Sim, uso... e de noite... tratando essa abstinência de você.

- ............................... bobo.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Humildade… *ao calabouço*

Faz tanto tempo que ele mal se lembraria, hoje… mas foi tão marcante quanto inesquecível, não? O local era escuro, a música era boa, a noite era fria, os olhares nem tanto. Admiravam-na como a uma obra prima, enquanto correntes a prendiam à imensa cruz negra, no centro da pista. Os longos cabelos negros eram sua única defesa, sua única máscara, contra aqueles olhos curiosos.

Era sua primeira vez, ali, e dava pra ver como ela tremia, pobre bichano. Perdida entre a vergonha e a excitação, restava-lhe apenas a confiança em seu algoz. Não deixava-se tomar pelo pânico, havia sido treinada para ignorar todo o resto. Mas era difícil. Sorria, cada vez que ao circundar a cruz o olhar Dele buscava o seu rosto, mas escondia esse sorriso de todos. Ali, entre as ondas negras de seus cachos, era como se olhar algum daquela pista cheia ousasse penetrar.

Imóvel. Não impassível… cada arrepio, cada temor, tudo tornando-se aquele turbilhão. Os momentos longos que ele não a tocava, não cruzava sua vista, esses lhe seriam intermináveis. Mas um sinal a alcançava. A música ambiente trocada para algo de um ritmo mais forte. O DJ respondia ao que quer que seu Senhor estava prestes a fazer.

Nem um grito. Boa menina. O couro lambia-lhe a pele das costas expostas, os seios pendiam dores às pontas de firmes prendedores de metal, unidos por sua corrente. Mas Ele não a castigava, ali. Era por seu merecimento. Por sua dedicação. Ela sabia que cada tapa, cada chibatada, cada puxão em seus seios, trazia orgulho ao Mestre. Que cada marca aquela noite era uma medalha.

Eram toques de seu Dono, pq ela lhe dedicava tal posse. Sentira-se grandiosa quando a cada chicotada da longa tira de couro, respondia a Ele “obrigada, Mestre”. Apesar de toda a dor, da pele vermelha, eram provas daquela confiança, daquele laço. Eram impulsos de um prazer que queria lhe tomar, acima de tudo. Sentia as mãos de seu Dono em sua nuca, por entre os cabelos, e por pouco não ronronava.

O pânico. Gritava, enfim, e não era de agradecimento, mas pela surpresa… a dor vinha inesperada, o puxar forte à nuca e a cabeça caía-se para trás. Estava exposta, ali. Ele desnudara-lhe até mesmo a máscara, e agora cada um daqueles olhares vinha lhe castigar.

E a primeira lágrima rolava-lhe ao rosto…

sábado, 17 de setembro de 2011

Da besta em mim *ao estilhaçar de correntes*

Eu te caço, te mato, te asso
coisa dessa fome, só minha
no calor da cama, te faço
te encontro, nessa mistura.

Culpo algo teu, a lua cheia,
vindo refletir nesse sorriso
salivando em presas, ria
sou essa besta, um salto.

E se te caço, por ti caço
se te mato, é com a boca
seu sangue, que eu fervo
olfato preso em curva tua.

--

Texto inspirado pela canção "Howl", de Florence + The Machine

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Carpe Noctem *ecos distantes*

O escuro da noite. 3h da manhã, a hora do lobo. Ir pra varanda de casa, observar a cidade que ainda se apaga. Ao longe, muito do que jamais dorme, luzes perpétuas contra o breu do céu. Disputam-se como estrelas de chão.

Mas há o silêncio, ao redor. Sentado, sentindo a brisa fresca de verão, ouço apenas algum ar condicionado, ninando o sono de quem seja, constante e grave. Algum carro ao longe, apenas de leve. Fecho os olhos na lufada de ar, súbita. Dá vontade e eu abro as asas, mergulhando dali. Percorrendo ruas, nisso de tentar abraçar tudo. As sombras vazam, por entre os prédios apagados, como névoa. Curvam-se aos postes amarelos e alaranjados, saudando-me em praças desertas.

De tantos sonhos por trás das portas, saem quimeras pela noite, brincando livres, dançando e desafiando o olhar incauto a crer no que vê. Abominações tomam conta de cada curva, de cada quina, fingindo assustar. Escondendo-se dos faróis acesos de um eventual motorista.

Mas o mais fascinante é o silêncio. Me perco em sinfonia. Fecho as asas e mergulho. Me espatifo no asfalto frio. A noite grita e eu sorrio.


Dream about falling down, de *bucz no deviantArt.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Trilhas do deserto de Athas – Dark Sun

O vento quente do deserto soprava por sobre as imensas muralhas da cidade, alcançando o chão de areia branca e soprando canhestro em um rodopio, pela arena. De um dos corredores escuros de pedra, três pares de olhos tentavam acostumar-se à claridade. Ao forte vermelho do céu. Já era fim de tarde e o sol vermelho descia a oeste. As pessoas já ousavam sair e assim, os balcões estavam cheios.

A arena era imensa. Homens-livres de todos os cantos da imensa cidade-estado de Urik lotavam o lugar, em um barulho incessante, zumbidos ecoando. Só havia silêncio no corredor de pedra. Os três gladiadores respiravam profundamente. Um deles, um homem livre, jamais adentrara tais jogos. Mas precisava estar ali. Abaixava a cabeça em seu caminhar, pois lhe fôra permitido entrar com sua besta de montaria, um imenso inseto com seis patas e enormes presas afiadas.

O segundo não era um homem. O corpo atarracado, definido em músculos duros e pesados, a cabeça lisa e o couro sem pêlos, protuberante. O rosto quadrado. Heranças do sangue forte dos anões, da parte de seu pai. Um meio-anão era um escravo valioso, em qualquer parte do deserto. Trazia às duas mãos uma imensa espada de pedra obsidiana, negra, as lascas afiadas enfileiradas em um corpo afinado de madeira enrijecida ao calor.

Certamente o menos humano dos três guerreiros, o terceiro assemelhava-se mais à montaria do primeiro gladiador, mas tinha a altura de um homem e apoiava-se de pé, com dois pares de braços e mãos segurando duas grandes lanças de madeira e pedras de jade afiadas. Suas mandíbulas eram presas amarelas, movendo-se como se em antecipação, e os imensos olhos insetóides pareciam poder observar toda a arena, quando enfim os três saíam para a luz rubra do sol. Um Thri-Kreen das planícies vermelhas.

Do outro lado do chão de areia branca, o imenso pórtico já encontrava-se aberto. Do lado de fora, o vento, um calor incômodo, levantava a areia, rolando pelos braços dos bravos desafiantes. Um rugido e o sobressalto. Como se o estampido de uma explosão, arremessando os três à frente. Corriam ao centro do espetáculo, de encontro à besta, imensa. Pareceria um leão, mas a juba recedera a um pelo mais curto, que estendia-se para trás pelo dorso. A boca, enorme, um conjunto de presas afiadas do qual os dois caninos inferiores protuberavam como adagas afiadas. Duas fileiras de olhos, três pares, negros como a lâmina do meio-anão.

Ao segundo rugido grotesco, o som das arquibancadas cessava. Deixava espaço aos urros de três gladiadores. Um tomando firmemente as rédeas de sua montaria e colocando-a em carga, erguendo a lança em punho. Os olhos do segundo tomando um estranho brilho esverdeado, que refletia-se na escuridão da imensa espada, os dedos firmes ao seu cabo de osso. O inseto percorria o grande espaço entre ele e sua presa, girando as hastes de suas duas lanças, antes de saltar por sobre a fera. Mergulhavam os três, rumo à glória… ou à morte.