Ela percorria as trilhas daquela floresta agora deserta. Por muitas vezes, temera perder-se, ao ir em busca de algo que ela e seu amado pudessem comer e beber. Agora, não carregava mais a arma dele, aquela lâmina tão surrada e sem o seu brilho de aço rígido e polido, de apenas poucos dias atrás. A espada havia voltado à bainha de seu valoroso dono e lá repousava, assim como ele, à borda da luz bruxuleante de uma fogueira. A amazona elfa tinha o semblante sério, buscando sinais daquela clareira e o que sequer podia chamar de um acampamento, pois os dois dormiam ainda ao relento, esperando que alguns poucos dias de descanso fossem o suficiente para que juntos conseguissem cobrir a distância até um local mais seguro, sem terem de parar e descansar mais. O corpo esguio dela deslizava com facilidade por entre aquelas árvores e a mata alta, à mão esquerda as pequenas aves que conseguira de alimento e a bota de couro com água fresca do riacho mais próximo. À direita, a lança habilmente esculpida de um imenso galho da madeira mais firme que aquele local podia lhe proporcionar.
- Um céu de nuvens... uma noite sem luz...
Murmurava para si mesma, lembrando de tudo o que seus ancestrais lhe haviam ensinado sobre a sobrevivência nas terras ermas. Deslizava os dedos pelos troncos das árvores mais próximas, procurando sinais familiares, e então sentia as primeiras gotas lhe atingirem a pele macia e quente do esforço de manter-se em movimento. Chuva. As nuvens decidiam se fazer ainda mais presentes e vir refrescar-lhe um pouco, daquele esforço. Ficava, em parte, agradecida por aquilo, mas temia o que poderia se esconder no escuro ainda mais intenso de não ter uma fogueira acesa, madrugada adentro. E aqueles animais que trazia seriam comidos crus. Aquilo lembrava-lhe demais o frio do calabouço, para achar que poderia simplesmente ignorar o fato, mas a fome com certeza seria bem maior que qualquer lembrança.
Um rastro... seus dedos encontravam um lanho à casca de uma árvore próxima e ela os deslizava pelo sulco, percorrendo a extensão e encontrando uma pequena lasca de metal incrustada ali. Ela sorria. Era um fragmento da arma de seu amado Troll, sinal da intensa batalha a qual ela mesma vencera, defendendo a liberdade dos dois. Ela não estava longe, mas não gritaria pela voz de seu guerreiro ferido. Não queria chamar atenção. Guiava-se agora pelo tato, sentindo as marcas de golpes mal calculados e o visco de sangue já coagulando, como se alimentasse aquelas plantas. Aquela floresta tão sombria.
- Já estou indo... não durma ainda.
Em meio ao seu sorriso, ela urmurava aquilo bem baixinho, ao vento, como se ele pudesse ouvi-la, ali perto. Seus passos ágeis com um impulso renovado. Ela não sentia-se mais perdida naquela noite de ébano e logo o encontraria novamente. Firmava a lança à mão direita enquanto ia apoiando-se em raízes e galhos mais baixos, para cobrir mais terreno até aquela clareira, que agora sua mente conseguia divisar, mais à frente.
****
O bravo guerreiro perdia a noção do tempo, aguardando que sua amada retornasse com algo que pudesse mantê-los vivos mais alguns dias. Já conseguia levantar-se sem ajuda, por menos que estivesse em sua melhor forma. Na manhã seguinte, deixariam aquele lugar em uma marcha forte, rumando para o sul, além dos grandes vales, para onde finalmente estaria em paz e segurança, com sua amada Sidhe. Sentia os ferimentos reclamando e lembrava-se do quanto tentara pedir a ela que não fosse sozinha. Também estava ferida, de ter tido sozinha de defendê-lo daqueles rastreadores sombrios que seus captores haviam mandado atrás de ambos.
- Meu amado...
A voz chegava a ele, tão melodiosa, ao fim daquela tarde, quando o crepúsculo já avançava. Sua pele tão macia, as belas feições que tocavam o coração daquele orgulhoso ser. Ele sorria de volta... ela retornava ainda com um pouco de claridade, e isso aliviava-lhe o coração.
****
Um dia inteiro fora, ela não fazia noção de que horas poderiam ser, já. A chuva molhava-a e deslizava por dentro das roupas, por entre os dedos. Ela suspirava, mas não perdia o sorriso, pensando na imagem de seu belo guardião esperando seu retorno. Já imaginando seu abraço quente, acolhendo-a de todo o frio e quaisquer preocupações. A clareira. Em meio à massa escura das árvores, ali estava aquela abertura e ela logo pôde ver... arregalava seus olhos, ante aquela visão, enquanto seus passos estancavam, por um momento.
- Não, não, não...
Balbuciava, à borda da clareira, vendo o vulto de um corpo estirado sobre a fogueira. Naquela escuridão agourenta, podia divisar apenas os copos da espada de seu amado... a lâmina atravessava aquele corpo. O desespeiro tomando-a, um grito de pavor e o salto à frente, surgindo correndo pela clareira, mas sendo agarrada por uma imensa sombra que vinha tomá-la, saindo de trás de uma árvore. A lança caía ao chão, a Sidhe se debatia, em meio ao desespero.
- Não... NÃO!!!!
Mas então um dedo tocava-lhe os lábios, calando-a. Ela reconhecia aquele toque. Reconhecia os braços q a envolviam... e o debater cessava. Aquela voz grave, que sempre sabia acalmá-la, sussurrava em seu ouvido.
- Tentou enganar-me... sob a máscara de seu rosto e a canção de sua voz.
E ela então compreendia. Com aquela batalha, todos os gritos e o sangue derramado ali... os espíritos da floresta não queriam mais aqueles dois invasores.
---------------------------
Para as duas primeiras partes desse conto:
Sonhos de Outrora I
Sonhos de Outrora II
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
A busca de algo para mantê-los vivos. A noite que vinha se tornar uma ameaça. OS medos que dominavam os corações preocupados, transformou-se em um momento de preocupação e angustia ao ver que outras forças tentam ainda separar o casal. mas mesmo em todo o desespero, o abraço dos amantes, mostra que nem mesmo estas sombras ou os locais que tão bem os acolhiam e agora os renegam, serão fortes o suficiente para separar o casal.
Amo-te meu Guerreiro, meu Rei.
Beijos de um Sidhe que chorará e que gritará não... não.... Não.. diante da perda de tão amado e querido Troll.
Olá!
Quanto tempo, hein!
Agora fiquei feliz por te ver novamente.
Bjos
Oi sumido, tem um desafio pra vc lá no Dália, passa lá.
Beijos e flores!!
Postar um comentário