"A verdade é que eu nunca me conheci, realmente. Porque a pessoa que já teve tanta certeza de tudo não é a mesma que hoje segue pela vida ao seu lado, que ama dessa forma tão incondicional e se entrega sem perguntas. Sem ficar se deixando frear por tolos receios ou pelos grilhões do tempo. Quando a mente nubla e tudo fica relativo a parâmetros que eu nem sabia q estavam lá. Só sei, isso sim, que te amar é novo como todo amor tem que ser. Mas que quem te ama não sou eu, como me conheci por anos. Esse sentimento é desse 'eu' de hoje, de amanhã e de sempre."
A carta estava um tanto borrada da tinta e a mancha ao canto do papel era o sangue dele, ela tinha certeza. Não lhe contara nada sobre aquela guerra, sobre as novas batalhas, mas nem precisava. A sacerdotisa fechava os dedos, amassando um pouco o papel, e suspirava, levantando-se e caminhando lentamente em direção à varanda. O vento soprava e os finos fios vermelhos balançavam ao seu sabor. Ela respirava fundo, observando o céu. Sabendo o que tinha de fazer.
Longe dali, um estandarte ainda flamulava contra o mesmo soprar, tão manchado de terra, sangue e lágrimas. Ele erguia-se uma vez mais em riste, corpo rígido como a lâmina na outra mão, os nós dos dedos já brancos de segurarem a empunhadura e a haste daquela bandeira. Ao seu redor, o som de tanto metal ainda tilintando. A batalha prosseguira assim já por horas e os estrondos dos tambores já haviam sido silenciados pelas flechas. O guerreiro precisava manter o brasão de pé. Mostrar a seus inimigos que ele e os seus não desistiriam jamais.
O vento aumentava, com jeito de presságio, e apenas seus dedos moviam-se, enquanto a respiração deixava-se alterar aos poucos. Ela sentia o ar com aquele jeito elétrico, confirmando sua missão. O cheiro da terra preenchia-lhe as narinas antes mesmo que a primeira gota caísse. Em menos de dois minutos, o outono desabava gotas pesadas até onde sua vista alcançava. Os céus escorriam pela terra, criando sulcos e encontrando caminhos. Por alguns instantes, parava de respirar. Concentrava-se em lavar o mundo.
Cada novo grito era como se a batalha começasse toda novamente e terminasse no instante seguinte. Ele podia sentir o sangue fluir pela lâmina como se pela própria pele, antes dele realmente fazê-lo. A arma uma extensão de seu corpo indo buscar a vida de cada opositor, dentro de seus corpos. Mal sentia qualquer dor, agora. Apenas se entregava àquela batalha e aos próprios urros e grunhidos. A bandeira começava a molhar-se de mais do que sangue.
Antes do fim daquelas duas batalhas, vinham já as torrentes lavar o mundo do sangue derramado.
8 comentários:
Batalhas que não cessam. Batalhas que parecem que jamais cessarão.
O gueeriro luta, o bardo canta as histórias das batalhas. Há tantos inimigos, muitos outros tinires...
E na exaustão das batalhas, nos arfares descompassados dos guerreiros e bardos, olhos cegos delineam as próximas linhas que serão escritas.
Batalhas que podem ser travadas. Um conto fantástico.
Detalhes mununciosos.
Texto rico em imagens, tensão, suspense...
Mas o primeiro parágrafo enseja uma outra viagem que não apenas a do texto...
Nossas próprias 'Gazas', sabe Troll?!
E aqui há uma questão bem estóica, epidérmica e prá além da superfície, a existencia, mesmo, que nos chama a guerrear e espirais do tempo...
E na órbita desse tempo em que 'repetimos' por vezes batalhas com os mesmos adversários, estaremos, necessariamente, em um novo degrau.
A Pele mais calejada e nós, estaremos mais vividos e experientes...
Vitórias talvez não cheguemos a alcançar em todas.
Mas se resistirmos com bravura e seguirmos vivendo, será sempre recompensador.
Excelente!
Beijos,
Mai
Havemos de travar várias batalhas todos os dias contra nossos inimigos que, em grande maioria, encontram-se dentro de nós. Nossos valores são testados, a honra é sempre o sentimento que deve triunfar. Contra o oposicionismo do ócio, da avareza e da preguiça.
Batalhas que nunca deixaremos de travar, pra quem sabe um dia triunfar nessa guerra em que vivemos...
Abraço.
achei o primeiro parágrafo tão maravlhoso, me senti tanto nele queesqueci do resto..bj!
TYR:
Destino sempre teve as linhas do tempo em suas mãos. Sempre foi maior que todas as batalhas.
MAI:
A maior vitória é superar cada momento e ainda saber estar alguns centímetros mais alto, quando eles passam. Nada do que nos resta ao final de cada suspiro é tão importante quanto a própria superação.
FABIO:
Cada guerra, externa ou interna, cada batalha e cada ferida. É em si seu triunfo.
IARA:
O primeiro parágrafo é algo bem maior que apenas este post. Sabes disso. *rs*
Sabia q já tinha lido isso em algum lugar... é a letra de "Blackbird". ;)
Que posso eu dizer?
Leio sim , cada letra , cada entrelinha , sinto cada pulsar.
Sim , não sou tbm a mesma de antes.
Sou eu simplesmente.
Sem passada , sem pesos.
Sou sua e ponto.
FABIO:
Sim, é a letra de blackbird. Adoro essa música, está na trilha sonora do Palácio.
LETICIA:
Tabula rasa, amada.
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