Texto por Fábio e Troll.
Ele era um vassalo e nada mais. Conhecia todos os cantos do castelo e sabia exatamente onde podia se esconder para observá-la. Sabia que os olhos dela nunca fitariam os seus, pelo menos não com o olhar que ele tanto sonhava. Se acontecesse, seria para ordená-lo a trazer mais vinho ou qualquer outro acalento que pudesse vir da cozinha. Mas mesmo sabendo seu lugar, mesmo sabendo que o papel que lhe cabia naquele círculo era de um subordinado...
Ela era a princesa. Possuía tanto o título como o sentido figurativo da palavra. Era linda, seus cabelos cacheados eram encantadores. Seu sorriso, uma armadilha para corações desavisados. Uma beleza que poucos sabiam dar o devido valor e respeito, pois era apenas uma de suas diversas qualidades. Era sábia, íntegra, gentil e amável. Mesmo sabendo ser dura quando necessário.
Ele sabia de todas as minúcias do dia dela e, assim, onde deveria estar para vê-la. Apreciá-la. Imaginar todas as palavras que não lhe cabiam dizer, pois ela não se disporia a ouvir. Estava sempre às espreitas, fitando-a. O medo de ser pego e a sensação de observá-la davam a impressão que o coração não cabia no peito.
Ela levava uma vida vazia, sem emoções, numa mesma rotina angustiante. A falta de aventura, de desejo, de amor faziam-na definhar. Sentimento só piorado, quando devia demonstrar o melhor dos humores, tendo o peito remoído pelo vazio da mesmice.
Um dia, o Rei apresentou a ela o príncipe com quem se casaria. A união dos reinos era de serventia para propósitos políticos. E assim, nela, onde antes havia apenas a falta de emoção, se prostrou o peso de mil mundos. Era fácil saber que não era do interesse dela. O príncipe arrogante e prepotente tratava-a com um desprezo mascarado, por interesse apenas no título dela e nada mais. E isso era observado pelo vassalo que, com peito em pedaços e os olhos rasos d’água, decidiu dar fim àquele sofrimento.
Escreveu uma carta, deixando-a na cabeceira do sono da princesa:
Ó musa dos meus olhares
Singela e bela como uma pluma
Pudera eu te aliviar os pesares
E ter seu hálito como uma bruma
Amo-te em segredo
Impossível negar o quanto te desejo
Confessar-te me trás alívio e medo
De privar-me do quê vejo
Seria o seu príncipe se me permitisse
De um reino sem posses, nem riquezas
Seria a meu júbilo se consentisses
Em dar-me seus olhares e beleza
Sei que és infeliz
Sei que ages como uma atriz
Saiba que tomarei o que sempre quis
E que assim poderei ser feliz.
Não quero-te por esporte
Sei que tens um coração forte
Mas nego que esta dor me escorte
Pois sem ti prefiro a morte
Assim, daquela tinta que pulsara das veias à pena do humilde vassalo, surgia a luz que esperava trazer àquele rosto. De sorrisos que não os do bufão real, mas sim dos que luzem de um amor sincero, quase ingênuo. Ali, à beira da cama, repousaria a esperança de um tolo como a única que resta à donzela abandonada pelas fortunas. Agarrada às palavras, quase rabiscos, da escrita humilde de um camponês que jamais vira, realmente.
Lágrimas coroavam aqueles sentimentos, aquela dúbia alegria de gosto amargo, mas na noite prosseguia o baile de máscaras da realeza. A princesa trajava a tragédia, como uma caricatura teatral que tentava esconder-lhe toda a beleza. Ia de encontro ao seu príncipe, a comédia sorrindo falsa para todos aqueles ilustres convidados, enquanto o bobo-da-corte distraía o aclamado Rei, que às promessas e juras matrimoniais da filha trouxera a paz para os dois reinos. Bailavam todos, ao som do cravo e dos metais, como se celebrando a infelicidade dela.
Ali, entre tantas máscaras, a ingenuidade de um amor simples e plebeu escondia-se atrás dos pilares, caminhando furtivo pela multidão. Um semblante sério, dessa vez não procurando por ela. Vassalo daqueles muros do imenso castelo, ia e vinha onde fosse e quisesse. Por um momento, no entanto, foi impossível não vê-la. As lágrimas que escorriam de sob a máscara cortavam-lhe o peito e davam-lhe a certeza do que tinha a fazer.
E foi assim que o amor sincero, em um baile de rostos de papel-maché - cujos significados sequer conhecera, apunhalou a comédia em seu falso sorriso, com uma lâmina ingênua, da cozinha. O cessar do cravo anunciando novamente a guerra.
murder, de =onelovedivine no deviantART.
Seleção musical por Fábio: Metallica - To Live is to Die
7 comentários:
Humm... Eu teria escalpelado esse cabeça de vento! Nunca ouviu falar em triângulo amoroso?
Caramba!
Homem apaixonado é fogo!
:))
Muito, muito legal o texto! Eu, como gosto de histórias, fiquei grudada do começo ao fim... só para ficar com raiva do tal vassalo-sem-cabeça. Que raiva! :)
Beijos aos dois!
Uma história que já vi em outras vidase que em nada condeno o vassalo, pois já é de conhecimento que mulheres também são capazes de tal feito.
Mais uma pareceria digna de teu palácio, caríssimo guerreiro.
adorei o final!
apesar de esperado ...confesso que eu não esperava!
bjs aos dois.
MAMA:
Hahahahahahahahahaha! Dificilmente eu colocaria um "felizes para sempre", aqui no Palácio, caríssima. Bom q tenha gostado. ;-)
TYR:
Acho q por muitas vezes vem o amor cegar-nos, não é mesmo?
IARA:
Eu estou adorando escrever com colaboradores, caríssima. E esse final ficou realmente legal, no conto.
o cravo que brigou com a rosa
e um texto com a sensação do metal e o cheiro da parafina queimando... nos corredores escuros de um castelo.
gosto.
sopros apressados...
volto logo
=*
WOLF:
Acho q andava fazendo falta um pouco mais de medievalismo, por aqui. *rs* Ótimo q tenhas gostado, caríssima.
C:
Quando os muros de pedra não nos protegem tanto quanto nos aprisionam. Seja muito bem-vinda, caríssima.
Acho que me falta esse sentimento do vassalo, essa coisa arrebatadora que negada se prefere a morte. Lindo, puro e trágico ao mesmo tempo. Sem falsa modéstia, achei muito bom o resultado final..
Troll:
Obrigado pela satisfação de participar da série. (e ainda me deixar escolher a trilha sonora)
Try:
Obrigado pelos meus 50%. ;)
Senhora:
Acho que pra ele, não cabia dividir o amor dela. Se amasse alguém tão intensamente, não dividiria o amor com mais ninguém. Admito q seria egoísta assim... ;)
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