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terça-feira, 30 de outubro de 2007

Em fuga... *sussurrado por Angelique, à fogueira*

Aquela floresta parecia ainda mais escura, no cair da tarde, do que à noite, propriamente. Era um lugar de lembranças, para aqueles viajantes, para alguns boas, para outros, tão ruins. O Bosque dos Reis deixara de fazer jus ao nome, após poucas centenas de anos, e expandira-se para além daquele pequeno vale. Cobria todo o território, até os agitados Mares Atlânticos. Sufocava o que ainda restava ali dos pés de laranjeiras que antes cresciam às bordas do vale. Eram imensas plantações de frutos coloridos, de quando a nobreza chegara àquelas terras selvagens e tentara domá-las com alguma beleza. Eles haviam deixado o castelo na noite anterior, aproveitando a pálida luz da lua cheia, mas a noite que se aproximava não seria tão gentil. Nuvens tornavam todo aquele céu cinzento e a escuridão viria mais cedo, sabiam disso.

- É idiotice, sabe? Se ninguém pisa pra esses lados do Vale há centenas de anos, o quê diabos viemos fazer aqui? Cacete, dá pra ver que vai dar merda! – a voz estridente e áspera da pequena Fabiana, uma Nocker de pele pálida e bochechas vermelhas, soava como o arranhar de unhas em um quadro negro. Tinha os cabelos de um cobre sujo como o avental, enquanto preocupava-se em fazer funcionar uma bússola que lhes fora dada pelo vizir do castelo, em meio à fuga.

- Pelo mundo dos Acordados, a criança jamais estaria em segurança. E Lady Beatrice nos ordenou que a tirássemos de lá. Lembre-se da Rainha, Fá... – Edgar, o imenso troll de pele azulada e cabelos encaracolados, negros, parava ao lado da pequena ruiva e parecia grande demais para serem realmente enamorados. Trazia sentada ao ombro direito uma menina que não poderia ter mais de 12 anos de idade, uma Sidhe de cabelos dourados, tão longos e cheios que algum desavisado poderia achar que seu guardião era, na realidade, loiro. O homenzarrão trajava uma placa peitoral polida, simples, sem qualquer brasão, calças cargo, bem largas, cheias de bolsos e tênis Adidas, pretos. – Não esqueça que o vizir nos mandou seguir para leste.

- Tá, eu sei! Acha que eu não lembro, porra? Mas essa bosta de bússola não funciona e não veio com garantia, tá bom? – Fabiana se aborrecia, o rosto ainda mais vermelho q o normal, e berrava impropérios com o aparato – Funciona, putaquepariu!!!! Eu vou te desmontar em pedaços, sua merda arcaica! – achava uma pedra um pouco maior, entre duas árvores, e erguia a bússola no alto prestes a quebrá-la contra a rocha.

- Espera... ela girou... – aquela voz soava repentinamente, por trás da jovem inventora, assustando-a como de costume... olhava por sobre o ombro, de soslaio, e via o andarilho cinzento observando a bússola. Ele jamais emitia qualquer som, mesmo em meio ao bando de folhas secas em que pisavam. Era um elfo, como a menina aos ombros do mostruoso ser azul, mas parecia ainda mais pálido que ela. Tinha os cabelos castanhos bem arrepiados, curtos, e uma expressão sempre serena. Não trajava armadura alguma, apenas um sobretudo marrom, mas tão desbotado que a um olhar mais distraído faria-lhe parecer um médico. De cada lado da cintura, pendiam os coldres de duas espadas longas, esguias como ele mesmo. – É pra lá...

O troll apenas suspirava, ao ver a amada mostrar a língua para o elfo andarilho, que se afastava na direção certa. Em seguida trazia a bússola à altura dos olhos e sorria, faceira, com um ar vitorioso. – Só precisava tomar um susto, né? – Guardava-a no grande bolso do avental, levantando o rosto e sorrindo para o imenso namorado, antes de seguir o guerreiro silencioso, Rogério, que embrenhava-se ainda mais naquela mata espessa, ainda sem fazer qualquer ruído.

A menina, Catarina, via tudo de um pouco mais alto e seus olhos azuis bem claros foram os primeiros a notar aquela aproximação... abaixava-se, abraçando aquele grande pescoço azul, assustada. Algumas das grandes árvores mais à frente deles começavam a perder sua cor, como se definhassem, deixando-se mostrar pelo que realmente eram: meros reflexos de prédios, casas, postes e construções, projetando-se no Sonho. O troll logo erguia melhor a cabeça e também podia ver aquele mudar, sentindo uma brisa muito fria começar a soprar pelo Bosque.

- Rô... ele está aqui... – o vento frio vinha agora com cheiro de húmus, soprando pedaços de galhos e folhas secas, quebradiças, na direção dos quatro... algo se movia, muito à frente, mas já visível aos dois guerreiros. O elfo parava, alguns passos à frente, a mão esquerda instintivamente alcançando a empunhadura de uma das espadas à cintura.

- Chega a ser difícil acreditar... – o Sidhe falava, naquele tom altivo, típico de sua raça – Ele pode profanar mesmo o próprio Sonho. Eu imaginava que ele teria perdido a capacidade de cruzar o véu... Lady Beatrice estava errada, afinal. – Aquele ser se aproximava, arrancando a cor e a beleza de tudo que o rodeava, trazia, ele também, uma espada já na mão esquerda. Aeglos, a “Ponta de Gelo”, fora uma arma belíssima, em seu tempo... a lâmina transparente tinha um brilho próprio, emitia um frio agradável, bem diferente daquele que agora parecia se deixar sentir nos ossos deles. O gelo que formava a arma havia enegrecido, deixando surgir rachaduras e lanhos ao longo da superfície.

- Não sei se vocês perceberam, mas estão perto demais da costa... caminham em meu território... achei que tínhamos um trato, não? – A voz daquele jovem era rouca, como o farfalhar de folhas no outono. – Mas lhes dou passagem, sem qualquer preço... afinal, estou diante da princesa da Primavera. – Aquele vulto negro abria um sorriso canhestro, aproximando-se ainda mais, deixando-se notar, à fraca luz. Era um rapaz de pele bem clara e cabelos negros, que misturavam-se a pêlos de gato, da mesma cor. Acima da cabeça, sobressaía um par de grande orelhas angulares, enquanto das costas, deixava-se notar o rabo felino, serpenteando por entre folhas de outono, que pareciam segui-lo, ou cair de seu pêlo.

- Não sabíamos que o trato se estendia ao Sonho, cavaleiro do outono. – A voz do troll retumbava por aquelas árvores e sombras. – Sequer achávamos que seria possível você chegar a este lugar, ou teríamos tomado outro caminho.

- Sabe... – O garoto deixava aqueles olhos, as pupilas cortadas na vertical, pela íris, examinarem bem seus antigos colegas. – ... até aí eu não imaginava que a Bia deixaria vocês atravessarem o portal do castelo. Afinal, há muito que pisar nos Sonhos do reino de Santa Cruz é proibido, a todos nós. Mas se bem me lembro, a corte perdeu uma certa pedra... VOCÊS perderam uma pedra... muito legal. – Ria, baixinho, rouco, rodeando-os.

- VOCÊ!!! Ah, seu escrotinho, foi você quem pegou a Pedra, né? Você tá fodido, se eu te agarro! – Fabiana enfurecia, uma vez mais, olhando no fundo daqueles olhos cínicos.

- Nada, menina... mas vocês nunca se perguntaram se ela não podia ir parar em mãos erradas? E se com o poder dela, uma cria do outono poderia vir corromper seu lindo Sonho? – Eles olhavam em volta e podiam notar sombras se movendo, o frio daquele lugar aumentando. A jovem princesa segurava-se com mais força ao guerreiro azul, como se tentasse buscar algum calor...

- Mas você não saberia usar a Pedra! O único de nós que conseguia era o Thiago... e você... o deixou esquecer... e morrer... – Rogério sacava as duas espadas, ainda sem emitir qualquer ruído, exceto pela própria voz. Estavam cercados... aquelas sombras se assemelhavam a imensas panteras, mas com cabeças de gatos... toda a cor que tinham estava nos olhos, sempre amarelos, grandes, em meio ao Bosque. Fabiana sacava do bolso o celular, discando as teclas 1-9-0, deixando o dedão sobre o “Send”.

- Mas como eu disse, vocês não podiam saber que eu estaria aqui, então podem passar... EU não farei nada com vocês, tá bom? – O Pooka corrompido deixava-se desaparecer entre as sombras e apenas a voz continuava, entre as árvores, casas e postes. – E tem razão, orelhudo, eu não poderia usar a Pedra... mas vocês conhecem o Eshu Cabeça-de-Palha, eita velho porreta! – Aquela risada de escárnio ecoava, enquanto as sombras saltavam sobre os aventureiros e a princesa infante, irrompendo em uma luta furiosa.

2 comentários:

Tyr Quentalë disse...

Quando se lê um texto como esse e se vê a magia morrendo de alguma forma para dar lugar às sombras e algo mais perigoso, a vontade que desponta é de ler mais. A leitura torna-se cativante, prendendo a atenção, deixando a alma ficar agitada em busca de um desfecho. O que acontecerá ao grupo? Ah! caríssimo Troll, como desenhas tão bem em tua caverna e instiga-nos a adentrarmos mais ainda em teu refúgio em busca de respostas. Enfeitiçara-me e cá estou eu desejosa de mais traços desenhados nas paredes de teu palácio.

Anônimo disse...

Eu sou suspeito para falar sobre textos assim.. sou amante de fantasia, e me tornei fã da inventora Fabiana. Acho que no mundo de hj falta muito o fechar os olhos e se imaginar diante de seres fantásticos e as aventuras que virão a trilhar.
Excelente.. e com sabor de quero mais Guardião.
Abraços