Avenida Rio Branco, um ponto de ônibus, 22h20. Ele parecia cansado.
Percorrendo suas novas trilhas, com todo jeito de caminho antigo revisitado, ele por vezes deixava-se dar sinais de certa exaustão. A respiração ofegante, o olhar vago, mas nada indicaria isso mais do q as olheiras. Ele nunca tivera olheiras, nem em sua adolescência tão notívaga e isso era em si curioso.
Por alguns instantes, deixara-se crer que o pior houvera passado, que a corrida tinha chegado ao fim e que tudo voltaria aos termos com os quais se acostumara ao longo dos anos. Mas não. O céu trovejava uma vez mais e anunciava que haveria mais a experimentar. O guarda-chuva fazia bem pouco ante o corredor de vento que a avenida se tornava. Um vale entre arranha-céus.
Cada ônibus que fazia silhueta ao longe era alvo dos olhos atentos daqueles que ansiavam por um caminho pra casa. Que aguardavam para sair de debaixo daquelas gotas pesadas e ganhar algum conforto, ainda que pequeno. E ali estava ele. Molhando-se o quanto fosse, no esforço de proteger a mochila. Na cabeça, toda a malha de informações tentava se ordenar em algo coeso: ativos, passivos, patrimônio líquido, PDD, CPP e outras siglas frias. Mais frias que aquele vento.
O olhar se aguçava, tentando divisar os números da próxima condução, que vinha. Não era sua linha. Esforçava-se em tentar mudar aqueles números para o 180, tão esperado e demorado. Mas nada acontecia. Como todas as noites, só que pior por causa da chuva. Relâmpagos rebatiam por aqueles pináculos de vidro e aço à sua volta, até seus olhos. Gostava do desenho que faziam, cortando os céus da noite. Invocavam a luz ante o ébano de um céu repleto de estrelas e janelas acesas para o cerão.
Quanto tempo fazia que estava ali, de pé, sentindo as calças jeans cada vez mais pesadas, dos pingos de chuva? O vento piorava, a água também. Caía com jeito de que deveria molhá-lo e ele demorou a entender que precisava. De algum jeito, um elemento que não era o seu vinha tentar lavá-lo, esfriar o corpo de um dia pra lá de corrido, suado e quente. O guarda-chuva há muito ficava apenas sobre aquela mochila. O vento cada vez mais teimoso.
O 180 vinha, enfim... e, como em certas noites, ignorava aquele ponto de ônibus entre o Edifício Avenida Central e a Almirante Barroso e o rapaz que lhe fazia sinal, tão claro.
...
Estação de metrô da Carioca, 23h25. "Integração Cosme Velho, por favor." Ele soava cansado.
City in Motion, de =0O-Rein-Oo no deviantART.
5 comentários:
Não existem acasos, não existem coincidências.
Dois elementos se mostravam presentes, movendo as linhas espiraladas tão bem conduzidas pelo Destino.
Talvez necessitando a atenção daquele que tece outras linhas inexoráveis dentre os elementos.
Quanto tempo mais teimaras contra os elementais que o rodearam naquela noite?
Ou terá você, conseguido também mover as linhas espiraladas do Destino e ter feito o ônibus parar alguns metros mais adiante?
Linhas, horas, chuva, exaustão e um texto denso e perfeito. fiquei uma hora e cinco minutos na agonia 'empapuçada' ...
Muito bom...
Um espírito, é?
Esperando, assim...
Mas chovia e eu também chovi, agora, por dentro.
Muito bom.
Beijos.
Uma chuva miserável, um cansaço miserável e um dia que não tinha acabado ainda...
Um dia que, se tivesse uma gruta por perto disponível, aceitaríamos de bom grado.
bjs
PS: Cosme Velho me lembra a minha infância. Todo final de ano era aí que eu passava as minhas férias.
TYR:
Na verdade, caríssima, eu acabei cedendo e buscando alternativas. Paguei mais, mas eventualmente cheguei onde precisava.
MAI:
Pois é, alguma hora eu chego, sempre. Das palavras de Mithrandir, chego sempre quando tenho q chegar.
MAMA:
Pois é, àquelas alturas eu tava aceitando gruta, caixote, qualquer coisa q me permitisse descansar. Mas tbm precisava não deixar molhar a mochila, né? ;)
Quando se tem sede, a água é o q te sacia. Quando se tem fome, é a comida. Quando é o cansaço, uma cama o apetece. Agora quando a fadiga mental lhe aflige, somente um amor ou um afago, uma distração ou um trago..
Abraço.
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