Percorria seus caminhos uma vez mais, por entre as árvores já tão conhecidas e pisando trilhas de folhas avermelhadas de outono. Sempre foi gostoso brincar por ali e tudo o mais ria de volta o quanto ele mesmo ria para o mundo, como houvera muito tempo não o fizera. Era sempre novo, percorrer aquele caminho, porque em cada passo sentia-se imerso, apresentado a novos ciclos. Como ler um livro velho pela quarta vez e descobrir que as rodas não giram mais da mesma forma, naquela estória. Corria, algumas horas, alimentado pelo cheiro de mato e terra, pela eletricidade daquele ar úmido sob as folhas. Adorava ver o azul do céu por entre elas, sorria feito menino ao lembrar disso. Porque ali, menino era.
Por entre os arbustos e troncos daquele bosque, ela o via correr, guardando-o no fundo dos intensos olhos castanhos. Não evitava o eventual curvar dos cantos dos lábios, um sorriso plácido como a superfície de certos rios, que sob o espelho correm tão caudalosos. Não trazia o ar efusivo nem a euforia incontida, já estava em paz e acostumada àquele lugar tão familiar. O que lhe prendia a atenção era o próprio rapaz, que mal conhecera aquele plano, já se sentia tão à vontade para soltar-se, desabalado. Era curioso, pois estava longe de ser ingênuo a tudo aquilo e ainda assim o parecia. Os dois tinham suas visões, um tanto diferente, daquilo que os cercava. Mas fato era, ambos ali estavam e de uma estranha maneira compreendiam-se mutuamente. Achava que ele, talvez, um pouco menos.
Um vento diferente... os passos dele por um momento contidos, o olhar aguçando-se e o perscrutar à volta. Por aqueles instantes, sentia que as sombras das árvores ao seu redor esticavam-se, por sobre ambos. De sobressalto, sua atenção voltava-se para ela, que caminhava com a mesma calma de sempre, aproximando-se. Tinha um ar compenetrado e a respiração compassada, era a eterna sinfonia de ares, olhos e gestos que ele conhecera desde o princípio. Mas tinha um semblante preocupado, enquanto o fitava à alma. O rapaz respirava mais fundo, retomando o fôlego e sentindo-se pesar mais, ao chão. Por um momento, deixava-se abrir o par de longas e alvas asas. Lábios umedecendo-se e o corpo curvando-se apenas de leve à frente. Seus dedos sentiam os sulcos da casca de uma árvore mais próxima e assim podia perceber a vibração do lugar mudar. Ela não precisava daquele toque. Aproximava-se, tão lentamente... os lábios entreabrindo-se.
- Esteja sempre preparado... para tudo.
Tocava-lhe o ombro e sentia-o tenso, mas a postura se deixava relaxar, bem aos poucos. Os dois respiravam fundo, como se em sintonia. Algumas sombras avolumavam-se ao redor e por um momento todo aquele universo quis dançar uma espiral de decadência. Observavam, curiosos, o começo de um novo turbilhão. Ainda estavam ali, como por muitas vezes estiveram e ainda estariam. Sentiam o tempo aproximar-se em ondas, esticando-se por sob a areia da praia que agora estava aos seus pés. E à frente daquele pôr-do-sol, tantos outros anjos vinham sentir o mundo vibrar. Do olhar preocupado, ele deixava despontar um fraco, mas sincero sorriso.
- Sempre... às vezes é pedir demais.
Door Mouse, de ~brokendreamer no deviantART.
6 comentários:
Quase senti o cheiro do mato, das árvores, da água pura correndo...
E, nino, o surpreendente também nos apaixona, não é?
beijocas
A mata possui um poder poderoso quando rodeia os caminhos que trilhamos, ela espreita, sussurra e às vezes pula.
Estar sempre preparado, às vezes é possível, mas principalmente quando se está só.
É na solidão da alma que muitas vezes compreendo o que sussurram para mim, quando estou rodeada pelas matas.
Quando estou realmente só e minhas asas tocam solo, mata, ar e almas que me pergunto se realmente desejo voltar à civilização.
E hoje o vento forte que tocou a face da água e a minha face, murmurou:
Jamais estarás só. Mantenha-se preparada... Pelos outros... Sempre.
Eu ia te dizer que uma das coisas que me fazem 'correr' prá ler tuas histórias, é a riqueza da tua narrativa.
Eu vou entrando texto a dentro e me adentra uma espécie de 'transporte'... se 'bobear', levo susto.
Trilhas, amigo. Adoro novas trilhas... Novos caminhares....
E lembrei das caminhadas que precisamos fazer, a sós... São imprescindíveis.
Beijos, amigo.
Não vou ser clichê, outra vez. Não vou dizer que está lindo.
Só vou dizer que adorei.
gostei da floresta....
bj. saudade
MAMA:
O surpreendente nos envolve, nos atiça a curiosidade. E eu certamente sou o proverbial gato.
TYR:
Nunca se está realmente só, caríssima. Mas estar sempre pronto é um tanto desafiador.
MAI:
E q somos todos nós senão a soma dos clichês que nos formaram, ao longo da vida? Do q somos feitos, senão de toda essa fantasia que é a vida. Q controle temos, realmente, de tudo o q nos cerca?
IARA:
Sua vinda a esse canto é sempre imensamente bem-vinda, caríssima.
Sempre , na maioria , das vezes é muito.Mas se faz necessário.
Quando rompemos nossos limites e nos fazemos mais , na verdade , ganhamos novos limites.
E quem quer parar de crescer ?
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