Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Eu, desperto *à voz de uma sombra*

Naquela tarde chovia. Cara, mas chovia muito mesmo. Sabe aquelas coisas de você sair na rua por dez segundos e voltar empapado? Pois é, bem desse tipo. Mas eu não tava na chuva, pra te falar a verdade. Não vai dar pra esquecer nem um segundo, mesmo depois de muito tempo. Algumas coisas te mudam, é normal, todo mundo conhece traumas e aprendizados. Você apanha pra crescer, sai com a cara sangrando e a alma também. Mas se parar pra pensar vai ver que a primeira cicatriza e a segunda caleja. Nada, entretanto, me mudou como aquela tarde. Tô sangrando aquilo até hoje.

Ela tava lá, ou nada teria começado. Ela tava lá porque precisava estar, na verdade. Não que ela não quisesse, bem longe disso... mas a vontade minha ou dela não vinha ao caso, saca?  Aqueles olhos de um castanho incomum e intenso, que dependendo da luz pareciam até vermelhos. A guria me rodeava, devagar, quando finalmente tinha me convencido a fazer aquilo. Eu de joelhos, no chão, respirava fundo, ganhando coragem pro que ela dizia que eu tinha que fazer. O quarto ainda tinha cheiro de sexo, dos lençóis úmidos e da pele minha e dela. Nós dois nus, naquela luz fraca que escapava pelas frestas das cortinas fechadas. Meu corpo arrepiava cada vez que ela chegava mais perto, a pele dizia que eu tinha que fazer alguma coisa, ali. No fundo, eu sabia. Mas tinha medo daquela decisão, sabe? Quando alguém te revela certas coisas, você resiste em aceitar fácil.

“Não vai doer?” Eu não tava com medo de dor nenhuma, ao menos parte de mim sabia que ela tava certa. Mas acho que naquela hora eu procurava qualquer desculpa pra atrasar um pouco mais aquilo. Mas o sorriso dela me dava tanta certeza. Passava uma segurança que eu só tinha conhecido em certos momentos da vida, fazia eu crer em tudo aquilo e era tão bom. Sendo bem sincero, ela fazia o tipo que seria capaz de condenar um homem às suas maiores burradas e atos mais impensados, só com um relance dos olhos avermelhados. E por mais que eu percebesse isso, eu tava ali ajoelhado, esperando a coragem crescer, respirando cada vez mais fundo. Ela respondia, com uma voz tão macia quanto aquela língua.

Aquela voz me confortava: “Não dói. É só um calafrio. Mas é gostoso...” Então eu só podia respirar ainda mais fundo. Ela realmente sabia de algo e eu não. Porra, tinha aquela certeza na voz que eu não questionava, saca? E só podia ser aquilo, mesmo. Tudo que ela tinha me perguntado tava certo. O peso que eu sentia, o jeito como eu via as coisas, sei lá. Mas o que me convenceu foi a voz. Quando ela falou daquilo, sabe, muita coisa fez sentido. Enfim eu tinha decidido, não é? “Vai... faz logo....... eu te amo.”

Ela dançava. Do jeito que me rodeava, era uma dança. E eu amava o jeito como aqueles quadris sensuais e nus sabiam rebolar, ao meu redor. Era gostoso vê-la, e ponto final. Simples assim, eu não conseguia controlar. Não é o tipo de coisa q a cabeça se esforça demais em descrever, só te diz que é. Aqueles dedos delicados e finos, a forma como tocavam minhas costas em carícias tão gentis, como se pudesse desenhá-las. Eu sentia, mais do que nunca, aquele peso logo atrás dos ombros. Às omoplatas... ele sempre estava lá, mas não daquele jeito. Era como se aumentasse, ao toque dela. Uma pressão tão estranha, como se algo sob a pele reagisse. E reagia.

“Elas estão aqui... esperando...” Aquela voz de novo, me causando arrepios em meio ao toque. Ela falava bem baixo, perto do ouvido, com certo tom de admiração, deixando o hálito quente deslizar pela minha orelha, tão provocante. E eu sabia do que ela falava. Ali, eu já entendia bem mais, só por conta dos toques. Ela tava certa. Correntes... grilhões... não havia metal, mas havia sim algo que me prendia, todos esses anos. Algo que eu tinha abandonado. Eu forçava os olhos, ao senti-la fechando os dedos sobre a pele, esperando a dor daquelas unhas que eu adorava quando me arranhavam, mas não a esse ponto.

Os arrepios não paravam... a garganta travada... os olhos não se abriam... sombras. Cada sombra daquele lugar parecia vir me abraçar, tão fria. Eu tremia. Nada doía, mesmo com aquelas unhas rasgando-me a pele. Era mesmo calafrios, algo paralisante, eu podia sentir os dentes trincando. Puta, cara, eu achei que tava morrendo, sei lá. Fiquei xingando aquela mulher de tudo quanto era nome, quando sentia o meu sangue quente melando as costas. Por um momento, parecia tudo tão doente que, putaquepariu, eu achei que já era, que tava doido. Mas foi só aí que notei melhor as sombras que me seguravam. Eram frias como o metal das correntes que eu não podia ver. Eu tinha desistido de mandar ela parar. Não conseguia falar nada... o ar faltava. Eu nem fazia idéia de quanto tempo eu já tava sem respirar, no meio de tudo aquilo. Não conseguia.

Sabe quando você tá com tanta sede, mas tanta sede, que quando bebe um gole d’água gelada dá pra sentir direitinho o caminho frio que ela faz passando pela garganta, até o estômago? Agora imagina essa sede toda e te jogam dentro de uma piscina, de boca aberta. A sensação simplesmente te toma. Por dentro e por fora... não tem nada igual, cara, te garanto. Porra, o peso das costas mudou de um jeito bizarro. Ali, eu sentia meus ombros me puxando pra cima. Ouvia aquela voz, mas agora tão fraca: “Eu te amo.” A coisa abriu de um jeito tão violento que a guria caiu para trás. Eu sentia o vento nelas... eu percebia o que era tê-las como parte mim. E eu respirei tão fundo que parecia que eu nunca tinha respirado, antes. Eu ofegava em um desespero que desconhecia. Eu queria mais... foi uma sensação que misturava fome, sede, tesão, susto, gozo... E tudo voltava ao mesmo tempo. Quem e o quê eu era. E os motivos. A Guerra, o Caos. O medo.

Eu ainda sentia o sangue escorrendo pelas costas e o cheiro de ferro. Eu finalmente encontrava equilíbrio, no jeito como elas se moviam. Não é tão difícil quanto pode parecer. Quando uma coisa esteve errada por tanto tempo assim, é fácil perceber como ela tem que ser, quando se acerta. E eu percebi. Aquelas asas enormes, finalmente livres da minha carne mortal, estendidas até tocarem o teto, esticadas e tocando cada lado do quarto de motel. Eu respirava fundo como se saído do êxtase. Era aquele torpor de depois do gozo. Era perfeito. O sangue que ainda não parava de escorrer pelas minhas costas, melando os calcanhares. O mundo fazia sentido, ainda que de uma forma estranha.

Aquele abraço, os braços dela passando por baixo dos meus, me envolvendo aos poucos, me mostrando que o frio das sombras agora era apenas o meu corpo. Os dedos tão delicados... ela estava tão gostosa que eu recostava contra o calor da pele dela. Sentia seus seios roçarem à base das minhas asas e adorava a sensação. Elas estavam sensíveis ao menor movimento. As penas dela, negras, envolvendo os dois, protegendo a gente de tudo. Ali no meio o mundo era só nosso. O sussurro bem baixo, ao meu ouvido: “Bem-vindo de volta... Estrela da Manhã.”

Pode parecer algo escroto, mas eu chorava. As lágrimas vinham, com a intensidade de tudo aquilo, e não dava pra controlar. As memórias também... algumas tão confusas, outras como se tivessem sido ontem, mas de uma porrada de tempo atrás. Chorava toda a dor de tudo que havia esquecido. Os gritos e gemidos que então me rodeavam, vindos do nada, a agonia de eras, que não me assustava. Chorava a felicidade de ter acordado. Chorava tudo o que ainda veria, como se pudesse lavar a alma por antecipação. E sorria escondido pra ela, os lábios longe da luz: “Não foi só um calafrio...”

Lucifer[1]

10 comentários:

Tyr Quentalë disse...

eis que surge a história completa, mostrando todas as sensações que tiveste. Em alguns casos, realmente não é apenas calafrio. Há tanto mais, não é mesmo. Uma dor necessária para despertar todas as lembranças esquecidas. Mas não só a dor marca este momento de libertação e revelações. Tens a asa de tua caída. Que te acolhe, que te protege e que cuida de ti, tanto quanto tuas novas asas.
Te amo... Muito... Meu amado Morningstar. Meu Rei. Meu delicioso caído.

iaiá disse...

sabe, acho que conseguiu descrever o que meu amor sentiu no nosso primeiro encontro e porque ele chorou...e hoje entendo mais do que nunca porque ele chorou...bjs...

Jéssica Manhães disse...

Extasiante! Lindo!
O jeito que a dor serviu para mostrar um passado esquecido,isso acontece com os reles mortais também!^^
O problema agora é que dá vontade de saber mais oq ue aconteceu antes, o que vai acontecer depois!^^

Nanda Nascimento disse...

Que texto envolvente, quantas sensações ele nos traz, meus olhos deslizava a cada linha, fazendo minha mente viajar nas riquezas dos detalhes, essa entrega verdadeira é que faz o momento se tornar real.

Boa Semana!!

Beijos e flores!!

Anônimo disse...

Um texto surpreendente sobre lembranças, renascimentos, re-descobertas.. parabens guardião. Que estrela da manhã se lembre de tudo que o aguarda com seu recente despertar.

Lee Holloway disse...

Dr. Troll sabe como poucos descrever sensações. E não apenas descrever, mas, principalmente, despertá-las nos leitores. Mais um ótimo texto, meu caro!
;)

Laurita Danjo disse...

Amigo Troll, preciso dos seus conselhossssssssssssssss!!!!!!!!!!!!!!
:(

Unknown disse...

Carissimo, mais um dos seus belos textos!
q consegue nos colocar na historia, sentindo o q vc sente!
ah, finalmente, depois de muito tempo (ta, uns 2 meses..rs) eu postei o meme do se eu fosse!
vai la ver qdo tiver um tempinho!
beijos e uma otima semana!

Laurita Danjo disse...

Que libido!!!rs..

Nalaura disse...

Ah! Custei a responder e aparecer, mas cá estou.
As olimpíadas estao a salvo: aquelas borboletas não eram as do filme. Eram umas bem complicadinhas....

Estou comentando aqui pq não sei se vc lê os antigos comentários. Muito boa a "Lebre branca"!!!

Pretendo levar pra 'escola' pra fazer análise (de texto). Achei melhor pedir. Pode?

=*