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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Serenata de sombras *bailam pirilampos*

Sentia o lugar à sua volta, abrindo um sorriso discreto. De longe seria um idoso, apesar do cajado de cedro que trazia em uma mão. As brancas areias, sob o céu nublado, não queimavam-lhe os pés, mas ainda o aqueciam, em seu estranho abraço por entre os dedos. O vento, úmido, por vezes fustigava a pele com finos grãos daquele solo que conseguiam caminho pelo meio das vestes. O longo robe balançava a cada rajada mais forte, mas aqueles grãos não eram incômodo. Pensava neles como carícias.

Por isso tudo, sorria. Pela sensação que só ali tinha, de que a terra tentava tragá-lo, para a segurança de que só os sepultos partilham. Ao menos alguma opção de descanso lhe era dada, ainda que jamais fosse aceitá-la, sem algum excelente motivo.

A mão apertava-se mais firmemente ao redor da madeira, com aquela mudança da brisa. Os olhos aguçavam-se e percorriam a paisagem, em busca da presença que sentia. De uma lufada mais desafiadora, o capuz era jogado para trás, revelando os cabelos quase brancos de tão loiros, do jovem rapaz. O sorriso mudava de tom e ele abaixava-se lentamente, tomando um punhado daquele lugar, com a mão. Deixava alguns grãos escorrerem pelos dedos e atentava à forma como caíam ao chão, em espirais.

- Mostra-te…

Apenas o bater das ondas respondia, ao longe. Um ritmo que ia aumentando, do espumar contra as pedras. Pareceria peripécia do vento, mas ele estava certo de que ouvia respostas, no arrastar do mar por sobre a areia. Aquele som de folhas de papel deslizando, umas por sobre as outras. E nele, por vezes o de algumas que rasgavam.

- MOSTRA-TE!

Uma onda quebrava tão forte que mesmo àquela distância ele sentia o salpicar da água gélida, ao rosto. O ar assobiava, como se quisesse arrancar-lhe o robe, e a ponta do cajado já desenhava trilhas incandecentes pela areia. Verdes, brilhantes, como os olhos do feiticeiro se iam tornando, pouco a pouco.

Era imenso, o dragão-mundo, com aquelas escamas que reluziam e refletiam sobre ele a luz de um sol que não estava ao céu. Aquele ser gigantesco fulgorava, erguendo-se do mar frio na ameaça de arrastá-lo para o fundo. Era tão velho quanto imponente, como quem o desafiava teria de se tornar.

Mas o bruxo tomara, ali, uma decisão. Seria grande, fulgoraria… até ficaria velho. Mas nunca seria sua, aquela presença tão fria. Segurou firme o cajado nas duas mãos e de toda magia que lhe fora dada, fez surgir todo calor que poderia.

Já era invencível… mas agora lutaria para ainda ser ele mesmo.


Six Senses, de Kirsi Salonen.

7 comentários:

Anônimo disse...

Impossível não ver toda a cena. Mas, por incrível que pareça, a praia que vi foi na Ilha de Marajó, de areia fina e branca e águas doces... :) É uma coisa tão impressionante que é impossível imaginar o bruxo em outro lugar. :)

beijinhos, querido

Macaires disse...

Seu texto me fez questionar como o poder modifica as pessoas. A humildade e a igualdade são pregadas, mas diante do poder tudo se transfigura, causa-se um sentimento de superioridade em relação aos outros.
A diferença se faz em não permitir que a frieza tome conta e lutar para continuar sendo o mesmo!

Belíssimo texto!
Abraço!

Tyr Quentalë disse...

Os quatro elementos se unindo. quatro entidades imponentes, com seus olhares frios,mas talvez não para tragar ou sepultar o mago, mas para torná-lo maior do que ele já o é.

Anônimo disse...

MAMA:
Acho delicioso, quando a mente simplesmente vai a alguma lembrança, enquanto se lê. E fico honrado, neste caso. ;-)

MACAIRES:
Acho que por vezes é um temor que eu sinto, de minhas próprias conquistas. Medo que elas me mudem, mesmo.

TYR:
São elementos que não escolhem o caminho por onde levar seu portador. Isso é responsabilidade dele mesmo.

Poisongirl disse...

Toda a descrição remete a imaginação ... vc forma a cena e viaja nela de uma forma tal que se vê lá , personagem participante.

Esse sempre foi , para mim , o poder dos seus textos Anjo ; me transportar com vc para seu mundo.

I got you under my skin.

bete disse...

por que será que me lembrei dos jogos do meu filho? vc é tão bom par descrever coisas...bj

Anônimo disse...

POISON:
E por quantos mundos não desejo ainda levá-la? Por quanto mais quero que me acompanhe, minha amada. É sempre um prazer.

IARA:
Talvez pq eu jogue os jogos do seu filho, tbm? Huahahahahahaha! Este Troll é nada mais que uma imensa criança, caríssima.