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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Blecaute *de motivos endógenos*

Ele mordia a haste da caneta enquanto os dedos batucavam as teclas. Números e mais números. Na tela, uma série de gráficos dançava, a cada novo “Enter”. Ele sorria menos do que franzia a testa. Cada trajetória sabia ser pior que a última. Aquelas mãos vinham apertar-lhe os ombros.

- Ainda preocupado? – Tentava acalmá-lo, mas estava ela também apreensiva. – Só mais um pouco, vai… quando passar essa empreitada toda, a gente vai poder relaxar.

Olhava-a pelo canto dos olhos e deixava os dedos apenas alisarem o teclado, como se não quisessem parar de digitar. Respirava fundo, pensando na promessa daquelas palavras. Era uma mentira, claro. Aquilo resolvido, viria outra coisa… e a cada outra, seguiriam sabe-se lá quantas.

Ele já concluíra que a natureza do tempo era a crise. Cada momento de estabilidade, próspera ou não, era passageiro demais. Em um espaço maior, de uma vida, de uma história ou do mundo, só haviam mergulhos e decolagens.

- E se a gente não puder relaxar? – Ele voltava o rosto para ela, com ar sério de Inquisidor.

- Aí… vc vai gostar mais ainda, não é isso? – Ria baixo e breve, com jeito quase de deboche. – Qual seria o seu prazer, sem um leão pra matar por dia?

Os dois riam. Ele de um jeito mais nervoso, ela, mais sincero. Os dedos voltavam às teclas e gráficos voltavam a dançar, pelos pixels de uma tela alheia a tudo. Cada pedaço da equação mal sabia que fazia parte daquela conversa. Daquelas preocupações.

Era o papel deles, viviam de mudar o mundo. Cada tecla desencadeava incontáveis linhas ao tecido do tempo. Cada “Enter” firmava-as em seu lugar. Ele sobreavoava possibilidades quase infinitas, ela moldava cada lugar.

E, como se ouvindo a dança de olhares dos dois, tudo apagava-se. Silenciava…

- Que hora pra faltar luz, hein! – Agredia teclas em vão, pensando no quanto se houvera desfeito, desde o último salvamento.

- Não consigo imaginar hora melhor. – Ela trazia uma vela já acesa, da cozinha. – As cordas ainda estarão lá, mesmo que você não possa brincar de movê-las. Deixe o universo descansar um pouco.

E sorria para aquele anjo, com jeito de bruxa travessa. Deixando a vela pingar na palma da própria mão. Sorria, como se não fosse ela. Para que ele deixasse, também, de sê-lo.


Fire hand, de ~SakuaHarioto no deviantART.

9 comentários:

Anônimo disse...

O que seria de nós sem as nossas pequenas crises na tentativa de mudar - de vida, de lugar, de jeito de ver as coisas? Viver na corda bamba, na verdade, é a busca de equilíbrio, né não? :)

beijocas, nino!

Macaires disse...

É meu caro, ás vezes é preciso um blecaute para que possamos enxergar outras luzes a brilhar!

Um beijo!

Anônimo disse...

MIRIAM:
É a mudança que nos faz crescer a cada virada, não? *rs*

MACAIRES:
Há sempre algo a se descobrir, mesmo no escuro, caríssima. Na verdade, principalmente nele. ;-)

Valéria lima disse...

Quando as luzes se apagam, fica difícil e a culpa não é nossa. Aprendemos a viver assim.
A luz apagou, O povo sumiu, A noite esfriou...
BeijooO'

Anônimo disse...

VALERIA:
E, no entanto, talvez sejamos melhores com as luzes apagadas. Meio cegos, ou não. Aprendemos a caminhar olhando menos e sentindo mais.

Tyr Quentalë disse...

As dificuldades da vida mostrando que não podemos vencer sempre e que devemos deixar nossas batalhas de lado por um momento ínfimo em que o universo precisa respirar. Há tempos e tempos, meu caro e talvez Destino tenha sorrido um pouco ao mostrar que ainda não dobraste ele por completo ;)

Anônimo disse...

TYR:
Não há como dobrar um perpétuo por completo... ao menos não sem grandes sacrifícios. Do tipo que poucos estariam dispostos a fazer, normalmente. Mas sim, por vezes precisamos deixar que o tecido do mundo acomode-se à nova fiagem.

Taynar disse...

E os melhores momentos, aqueles que tu não consegues descrever, acontecem justamente aí.
Simples.

Beijos, moço

Anônimo disse...

TAYNAR:
Quando palavras são ínfimas perto de toques, suspiros... ou apenas a respiração do outro, ressoando no escuro.