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sábado, 28 de março de 2009

Roda das estações *coisas a 4 mãos - III*

Por: Tyr e Troll

 

Não era fácil aquele momento, quando conversávamos sobre o que escolher ou não. Antes parecia fácil, ou talvez enxergássemos pela mesma faceta, mas água e vinho não se tornam um mesmo líqüido, pois um é rubro e outro translúcido, mas do que estávamos falando realmente?

Água e vinho... era estranho pensar naquela mistura rósea um tanto amorfa, quando as duas coisas meio que se perdiam em algo que provavelmente não teria gosto algum. E de novo não chegamos ao que estávamos falando. Assuntos que acho que se perderam com o tempo, talvez. Era uma escolha, possivelmente importante. No fundo, você não escolhe o que ter ou viver, mas sim o outro mundo de coisas que deixa pra trás. Vivemos de opções não marcadas.

Talvez fosse isso que realmente incomodava de vez em quando. Saber que para trás havia ficado algumas coisas que se julgava tão importante e que agora mais parecia um saudosismo de rever um albúm antigo. Várias vidas novas surgiam a cada novo passo à medida que o passado era deixado para trás, ganhando novas nuances que deixariam muitos, confusos ao ver aquele albúm, ou a garrafa de Vinho e água postos sobre a mesa. Mantidos separados por serem elementos diferentes, mas com traços tão marcantes quanto os assuntos que não voltavam ao ponto da conversa iniciada.

O passado descortinava-se ali, naquele entremeio de uma tensão palpável, e pensar nas fotos não ajudaria em nada. Mesmo assim, por vezes é preciso folheá-las. Sentir-se idiota ou saudoso por cada máscara que já tenha usado, na frente de lentes momentâneas, mecânicas ou não. Cada trecho emprestando uma lantejoula, uma miçanga para o carnaval de cores e miséria que gostamos de contar que sempre foi a vida. Esconder a simplicidade atrás de tantos poréns e porquês. Esconder a alegria atrás da garrafa de vinho, já pela metade. Tirar a dor da cabeça e jogar na água.

Mas dores de cabeça só são descartadas quando eliminadas com um simples remédio, ou quando abandonamos aquilo que tanto incomoda os pensamentos, e o simples abandonar lembraria o arrancar do coração e dos sentimentos. Seria deixar para trás as lembranças que nos fizeram sorrir, ou as risadas e abraços que deixaram suas marcas. As máscaras se encontravam sobre a mesa de antigos carnavais, onde as cores perguntavam o lugar que deveriam se encontrar. Um sorriso fraco; um suspiro e a máscara é colocada mais uma vez. Ali não havia sorrisos, nem tampouco lágrimas. O que ele ali encontraria era o semblante frio da promessa de vindouras épocas de uma nova entre-safra.

E se já é o outono da vida... quando se chega a ele e as folhas caem. Quando nos campos da memória a colheita está pronta e farta, mas nos jardins da mesma não há as cores primaveris. Sem entre-safras, sem mais dúvidas, mas também sem a esperança do virar da roda. Não. Mentira. A roda sempre girará, na entropia de Ouroboros que no ato de devorar-se sufoca Yggdrasil. Só o homem conseguiu ser estúpido o suficiente para realmente devorar o próprio rabo e achar que se reformaria, disso. As colheitas já correram círculos pelos campos, sem devassar a terra. A máscara sorri de volta, com aqueles olhos de abismo. O semblante que ela já escondera, frio como granito. Está ali, de volta, fora da roda das estações. Finalmente toma a taça do vinho em mãos. Deixa o rubro forte tomar-lhe os lábios e toma a máscara mais colorida e bela, como um estandarte contra o resto. Com toda a tolice do pícaro que veste sonhos.

- O mundo não pára nem espera.

- Apenas aguarda para depois continuar seus passos.

Não haviam xeque-mates e tão pouco becos sem saída. Máscara mais bela e olhos de abismo, ali se despedem para novamente se encontrarem, para quem sabe um dia voltarem a filosofar.

 Celtic Autumn Leaves, de ~foxvox no deviantART.

3 comentários:

Tyr Quentalë disse...

Obrigada pelo convite. Foi um prazer filosofar com você em um texto como este.

bete disse...

li e fiquei com cazuza e o tempo não pára na cabeça...certos textos me trazem músicas...
bj

Anônimo disse...

TYR:
Sabes q o prazer foi meu, caríssima.

IARA:
Adoro quando música evocam textos ou vice-versa, sabe? Sempre delicioso ter seus olhos por essas linhas, linda.