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sábado, 23 de agosto de 2008

BDSM + Baunilha *do tomo de Lorde Addam*

Uma questão extremamente interessante e aparentemente um tanto controversa, no meio sadomasô, é a possibilidade de um Top ou bottom ter de lidar com com uma relação baunilha - normal, amorosa, extra-BDSM - mantida pelo outro lado do chicote. Já presenciei diversas situações nesses termos, com outros praticantes.

Peço desde já que a interpretação parta da premissa que a parceria baunilha seja tomada como ao menos parcialmente, se não plenamente, desfavorável - não-liberal - à existência de um relacionamento extra-conjugal, mesmo que tão somente enquanto extravasamento do fetiche do outro. Incorro ainda no risco de ser taxado aqui como "arauto da traição" - já até ouvi o termo dirigido a mim, uma vez - mas é muito complexo julgar relações poligâmicas em meio à cultura judaico-cristã na qual fomos criados. Ainda assim, aceito o risco. Como tudo o mais discutido aqui, qualquer interpretação é extremamente subjetiva e a noção de "receita de bolo", enquanto solução dos empecilhos apresentados, é por si só limitante ao assunto. Fica claro que exponho minha opinião com base no que conheci e vi, acontecer, a respeito.

Dou o pontapé com a constatação de que tal ocorrência é muito mais comum - e menos proibitiva - quando o lado Top é o detentor dessa relação extra-BDSM. Soaria um bocado óbvio, aqui, citar os motivos disso indo muito a fundo, dadas todas as prerrogativas do lado Dominador sobre a relação D/s em si, mas é, senão a ocorrência mais lógica dessa característica, a mais corrente no meio. Lógica pela crença, de muitos, que o Top não deva se envolver emocionalmente com seus bottoms - sem diferenciação de gênero. Dessa forma, é por vezes até costumeiro imaginar que por trás da empunhadura do chicote haja algo mais, a ser protegido do que ocorra no meio. Esse ato de proteção é, afinal, algo que a maioria precisa fazer até mesmo com sua célula familiar mais próxima, mesmo não havendo um laço amoroso envolvido. Já é parte da prática, conseguir separar sua vida pessoal e profissional de seu alter-ego BDSM.

Mas é a existência de relações baunilhas mais estreitas do lado bottom que se apresenta como sendo a mais limitante. Mesmo se considerarmos que a coleira seja estritamente D/s, sem sadismo e masoquismo envolvido, há uma série de práticas de Dominação psicológica que depende de uma liberdade de tempo e ação que esse bottom não possui, para ofertar ao Top. Lembro aqui que qualquer risco sério à integridade não apenas física, mas psicológica e emocional, é uma quebra dos termos de Sanidade Segurança e Consensusalidade - embora a parte emocional seja muito discutida, assim como o conceito de segurança. Para muitos Tops, especialmente homens, a existência de um relacionamento assim por si só já impossibilita o encoleiramento. Compreensível, quando o motivo é a necessidade daquela liberdade de ação que o/a sub não pode ofertar, mas que em certos casos soa hipócrita, com afirmações como "ela não pode se entregar de verdade, pra mim", quando o mesmo não se encontraria, muitas vezes, disposto a suprir necessidades emocionais da parte bottom. Outro motivo bem comum é também compreensível: "vai que o lado de lá é bravo e descobre". Não há qualquer covardia nesse ato, é tão somente a constatação de que tanto Top quanto bottom podem sofrer retaliações pela manutenção de um relacionamento D/s. Todos nós temos o direito e dever de pesar as possíveis conseqüências de nossos atos.

Dito isso, entretanto, é uma ocorrência que também gera novas possibilidades. a serem exploradas por uma mente mais criativa, em meio ao adestramento e à convivência BDSM. Psicologicamente, há por si só a euforia do proibido, da ameaça constante, do flerte com o perigo, sem que para isso precise haver a quebra da segurança, em cena. Nesse ponto, a coleira fica muitas vezes por um fio, na dependência da capacidade do bottom de manobrar ao redor de suas limitações baunilhas. Conseguir estar pronto à submissão sem arriscar a relação se torna parte de suas atribuições, enquanto o Top assume para si a responsabilidade de não deixar marcas óbvias e difíceis de explicar, com o extravasamento de seu sadismo ou as eventuais punições à parte submetida. O jogo psicológico pode se tornar muito mais presente e intenso, também, e as marcas desse podem ser despistadas com um "não estou bem, hoje".

Os cuidados com a parte física passam ainda pela necessidade de um diálogo muito mais aberto que em outras relações de servidão, pois o Top precisa, por exemplo, saber que a presa vai passar o final de semana na casa de praia. Naquela semana, não pode deixar-lhe com marcas em quase parte alguma do corpo. Certas práticas, como bloodplay e knifeplay, são dificílimas - se não impossíveis - de serem postas em prática sem riscos diretos, mas quase todo tipo de tortura genital ou aos mamilos é possível. Sessões de spanking mais intensas, por exemplo, precisam de um aviso do tipo "essa semana, vc vai se esconder um pouco mais dele/a". Os termos no contrato de submissão precisam dar margem a um pouco mais de diálogo e a safeword - palavra que é direito do bottom ter e saber, que interrompe a cena quando pronunciada - pode se tornar uma salvaguarda para aquelas torturas imprevistas, que o bom improviso possa trazer à cena, mas q o bottom tema expô-lo demais, depois.

Já ouvi e li argumentos que propunham que a necessidade de tais cuidados dariam à parte submetida o "direito de abusar" de tais condições específicas, para exercer ela também um certo controle sobre todo o cenário imposto pelo contrato D/s. Sou da opinião que absolutamente TODA relação de poder é uma via de mão dupla, de qualquer forma. Mas mais importante que isso, e aqui passo as considerações à primeira pessoa, se me vejo insatisfeito com uma coleira, estou em pleno direito de tirá-la da submissa. Pelo mesmo motivo que também nunca me senti obrigado a encoleirar ninguém. Se um bottom decide tomar liberdades com seu contrato por conta da situação extra-D/s, é um risco que está assumindo, como em qualquer situação de questionamento ao Top ou desrespeito ao mesmo.

 
aaron, by ~porsylin on deviantART

4 comentários:

Tyr Quentalë disse...

Com o olhar atento e o coração aberto para os tomos trazidos pelo novo Senhor do Castelo, eis que em encontro aqui a ler este tomo sobre caminhos não tão alienígenas para mim. Perfeito em sua explicação, venho a concordar com vários apontamentos seus, Milorde.
Assim como sabes perfeitamente o quanto de tudo isso corre em minhas veias, ou como meus olhos brilham a respeito disso tudo.

"São nos verdadeiros desafios que tudo se transforma em uma verdadeira iguaria"

iaiá disse...

muito interessante e lúcido o post meu amigo, e ceio que muito do que há nele se aplica a qualquer relação, não só a relações BDSM. basat as pessoas serem mai ssinceras consigo mesmas e objetivas. se divertirão mais com mais responsabilidade se tiverem com seus proprios sentimentos.
beijos.

Flávia disse...

Bom, eu não conheço praticamente nada do que foi descrito no texto... mas assino embaixo do que disse a Iara. sinceridade e respeito são fundamentais - conosco e com o outro. Sem isso, não funciona.

Beijoca :)

Anônimo disse...

TYR:
Sempre um prazer vê-la vir compartilhar de mais essa sombra, claro.

IARA:
Clareza é essencial, naqueles relacionamentos que queremos ter como realmente duradouros. Amizades, inclusive.

FLAH:
Respeito, caríssima, acima de tudo. Sempre.