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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Camadas *nos vazios salões do Palácio*

A máscara era belíssima. Toda cravejada em jóias, toda em metal nobre, polida, reluzente, só as pequenas ranhuras e os arranhões quase invisíveis que nem o cuidado minucioso saberia retirar, do dia-a-dia. Algo de uma presença palatável, uma máscara de olhares resolutos e retumbantes. E essa, em meio à dança, aqueles dedos delicados da moça tiraram com delicadeza. Ele precisaria dela, quando se despedissem, mas era o jeito dela pedir que não a usasse quando estivessem juntos.

Por baixo dela, a segunda era quase um choque estético, ante a anterior. O rosto de um oni guerreiro, as presas à mostra, o olhar ameaçador, demoníaco, os traços duros e angulares, toda a presença se tornava ameaça, ele poderia parecer prestes a saltar sobre a presa, a dança já havia até parado. E ali, frente a frente, ela fez reverência à furiosa besta e com as duas mãos e algum esforço, retirou-a, deixando repousar junto à primeira.

A terceira "face" sorria um tolo sorriso infantil, mas deixava escorrer uma lágrima por sobre a bochecha rosada e gorducha. Trazia toda a inocência de quem ainda sorria por sorrir, mas toda a resignação de ter que crescer. Os olhos nessa brilhavam com a explosão de um universo em expansão, um pequeno Big Bang que parecia poder contagiá-la. Quis ficar nela... quis deixar ele ali, daquela forma. Mas as mãos grandes tomaram as suas e levaram seus dedos até aquele elástico fino... e ela a tirou, com grande pesar.

Barro... a argila seca e cheia de ranhuras, a face contorcida em uma dor inominável, que gritava pelo salão e ensurdecia a ambos. Aquela feição escura, deixando soltar poeira, que parecia vir afastá-la. Caía ele de joelhos, sentindo o rosto arder como se em chamas, arranhando aquela testa com as unhas, querendo rasgar a cerâmica do tormento, e em meio ao desespero, tomou em mãos uma pedra. Uma, duas batidas, e as rachaduras aumentavam. Até que aquelas doces mãos tomaram seus pulsos. Pegando aquela pedra, jogando-a longe. E com a mesma delicadeza que lhe retiraram a primeira máscara, foram descascando o barro, revelando o homem.

E essa face contorcida ela escondeu...

Onde?

Ele não sabe.

Mas ela queria um beijo de pele, raro e verdadeiro.


O Grito, de Edvard Munch.

9 comentários:

bete disse...

quando somos vistos além das máscaras, nossas tantas faces...e somos amados por isso
quando pele e alma se encontram ...é aí o verdadeiro paraíso!
bjs

Lyn Monroe disse...

Vc tem o dom de escrever sobre a realidade com metaforas fantasticas.
De fato, temos ate mesmo mais de 1 mascara, e p poucos revelamos todas.
Adorei!
beijos!

Tyr Quentalë disse...

E cada uma delas possui uma beleza inimaginável, mesmo havendo aquela que às vezes pode fazer recuar, o coração faz com que os olhos se abram mais uma vez e que se aproxime para deixar que ele mostre sua verdadeira face. A face que merece um beijo de pele, raro e verdadeiro.

Sueli Maia (Mai) disse...

Pois é, elas existem. Muito bom teu texto. Forte como "O Grito", também me gritou os sentidos.
Perplexa vou, mas voltarei.

Anônimo disse...

IARA:
Existem aquelas raras pessoas, capazes de nos amar por baixo de tudo o que mostramos, que acabam por descobrir o quê e quem somos. Realmente, uma bênção.

LYN:
Temos tantas e por diversos motivos. Essas máscaras nos permitem viver e conviver... mas há pessoas a quem não valeriam de nada. Pq buscam ou acabam por conhecer a pele, realmente.

TYR:
São momentos em que palavras se tornam até tolas... e tudo simplesmente é e existe. Momentos em q nos tornamos tanto mais.

MAI:
Causar-lhe qualquer reação, caríssima, é grande honra, pois leio teus textos e paralizado fico, ante tamanha sagacidade e uma construção inigualável. Recebê-la de volta sempre me agrada muito.

Anônimo disse...

Quanto mais se tenta chegar à essência de alguém, mais pode se distanciar se assim esse alguém quiser. Felizes são aqueles que, por poder se despir de máscaras, são claros e transparentes.
Não almejo ser assim, tenho uma máscara em mim que também desprezo, não a retiro nem ao menos para mim mesmo.

Maneiríssimo o texto.. deu pra sentir o barro rachado, sêco sobre a pele...

Abraço.

Poisongirl disse...

A delicadeza da desconstrução:a pele renovada , o toque nunca antes sentido (raro) ,a verdade atrás do barro , da lama...
Me fascina os poderes encontrados nos lugares mais dúbios.

Uma vez já disse aqui que a redenção só pode advir da queda.Reescrevo - me : a renovação só pode advir de uma desconstrução.

Texto de beleza rara meu caro.

Nanda Nascimento disse...

É um processo interessante conhecer as diversas faces de uma pessoa, quando a camada de proteção revela a camada original e nos deparamos com algo especial escondido e retido pelo medo á exposição.

Beijos e flores!

Anônimo disse...

FABIO:
Muitas máscaras q usamos não conseguimos, nós mesmos, retirar. Isso é algo curioso, mas sempre a se pensar.

POISON:
A renovação... desconstrução. Fazer-se em pedaços para se reencaixar, redescobrir. É uma jornada dura, ao menos para mim. Não conheço tanto essa capacidade, já comentei isso uma vez. Para mim, é uma jornada grande demais, para se fazer sozinho.

NANDA:
Há o medo, sim, mas mais do que isso, há aquilo que nem notamos ter aglutinado sobre o rosto, para formar novas máscaras. Quem somos, quem seremos, quem queremos ser e mostrar ao mundo. Tudo se mistura.