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domingo, 23 de novembro de 2008

Éden *cânticos ao portal*

O repouso, o descanso além das águas negras do Styx. Deito-me às planícies com a sensação de que posso realmente caminhar até o palácio de Kronos e o trono de Rhadamanthys. Vejo passar ante mim as imagens daqueles guerreiros levados pelo próprio Zeus, em tão imensa honraria. Gosto de fechar os olhos e abrir a mente, visitar o Elísio. Ao sangue pulsam memórias da antigüidade dos homens e de seus deuses esquecidos.

- Você está aqui.

Desperto do transe ao som dessa voz tão suave e percebo-me perdido com o olhar àquelas águas. A forma como vêm correr lânguidas após a explosão da cachoeira atrás de mim, o som que reverbera por todo o local, anunciando q a água não encontra barreiras e tenta voar. Gotas minúsculas que por vezes refrescam-me em brisa, pousando à pele. Os dedos dela me tocando os braços e me fazendo buscar-lhe os olhos, o castanho tão belo e vibrante, escuro, que vem em vagas levar-me por aquela alma e me puxar para o fundo.

- Nem acredito que você está aqui.

Como digo a ela que por alguns instantes eu não estive? Tudo aqui é tão estranhamente familiar, como se conhecesse tudo de sonhos. Esse lugar me buscou por quanto tempo? Certas memórias, pedaços de mim, se estendendo para tocar todo o local. A explosão das águas, a queda, a perda do potencial. Desbravar o ar, em desafio, e então se ver forçado a correr pelas entranhas do mundo, pelos sulcos da terra, tal qual serpente. Até encontrar o mar e tornar-se o leviatã que são Sammael e Lilith. A água não conhece liberdade. Lembro-me do bater contra a pedra.

- Reconhecendo algo?

Sim, muito... mais do que minhas palavras conseguem dizer a ela. Essa estranha sensação de sentir-me em casa, de crescer para abraçar o mundo. Uma força selvagem, indomada por homens ou anjos. Volúvel como apenas forças da natureza sabem ser. Volátil, como os sábios de outrora aprenderam a respeitar. O ser humano realmente aprendeu a domar a Criação e subestimar-lhe a força. O olhar desliza até a cachoeira uma vez mais, enquanto esse abraço se aperta entre nós, intenso e infecto de um sentimento grande demais para caber ao meu peito.

- Vou te mostrar onde ela realmente pulsa.

Palavras que trazem certa euforia, enquanto mergulho de volta àqueles castanhos tão fortes e perigosos. Os lábios não contendo mais a vontade de existirem junto aos dela, um beijo tão intenso que mesmo o céu cinzento quis deixar existir. Por esses instantes, o sol teimando em rasgar as nuvens e vir banhar-nos de luz. Uma bênção de nossas próprias forças, me fazendo crescer as asas. Desafiando o mundo, os homens, anjos e arcanjos, a virem tirar-me essa luz. Confronta a Estrela Matutina os caprichos dos outros primogênitos.

Meus olhos buscam-na em meio a esse devorar mútuo de lábios e um pedido sussurrado:

"Me ajuda a guardar o sol nesse beijo".

Perco-me. Jogado em delírios desse amor. Resgatado por seus braços. Vivo, na certeza de que o sangue ainda pulsa. Existindo no pulsar do mundo.

A ti. Essas palavras, como aquele momento. Todo poder, toda honra e toda glória.


Foto by poisongirl.

10 comentários:

bete disse...

algumas coisas são tão belas que não temos palavras pra falar...
"Me ajuda a guardar o sol nesse beijo".
que daqui pra frente todos os beijos de amor tenham o sol, a lua, as estrelas, os dias e as noites...e que as horas passem rápido até o próximo beijo.
;-)

Anônimo disse...

Mais bonito do que descrever a queda d'água, foi a descrição do olhar "castanho tão belo e vibrante, escuro, que vem em vagas levar-me por aquela alma e me puxar para o fundo.".

A água estava por ali,mas nos olhos estava a vida.

Unknown disse...

Esse painel tá aqui há horas e eu meio que não sei o que escrever.
Achei o texto bonito, mas eu simplesmente não tenho condições de opinar agora.

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, Troll.
Eu não sei como conseguiste isto, mas preciso descrever o que sentí.
Sabe, vivenciei uma mescla de sensações onde paralelos, mundos se confundiam. Hora no Olympo, os deuses. Hora no humano, a carne.
Este erotismo que mescla um apelo mítico aos deuses e ao animímico, me chamou a atenção em teu poema.
Não se trata apenas de uma experiência comum do erótico.
Não.
Teu poema evoca:zeus, kronos, lilith e tu, como um deus, ganhas asas "desafiando o mundo..."
Trata-se de um Eros capaz de inflar os seres e o olimpo, o homem e o mito, com uma energia intensa o bastante a ponto de alçar o infinito.
Definitivamente esse eu-lírico conhece uma experiência para além do senso comum.
Para o modelo de homem da atualidade, onde o ceticismo impera, tudo é substituível, reciclável, enfim, finito.
Sendo assim, qualquer sensação do erótico, se torna limitada.
O homem hodierno não vivencia o mítico em seu cotidiano.
Poemas como o teu, me remete a uma experiência mítica ainda que um erotismo, sofisticado, se insinue, pois ficou em minha percepção, o prazer infinito que só uma experiência que transcende, poderia contemplar.
Caramba!

Esta foi uma experiência rara.
Belíssima linguagem.
Lírico.
Brilhante.

Tyr Quentalë disse...

Uma declaração tão bela, de recordações tão intensas, que rouba-me as palavras e leva-me a contemplar o momento onde dois tornam-se um e o um torna-se único.

Poisongirl disse...

Não faço idéia de quantas vezes estive aqui : li , reli.

Como pôr em palavras o que transcende , o que sempre existiu ,ali guardado sendo moldado , para o momento exato?!
Não dá.

Nesses momentos silencio .
Espero que através dos olhos me entendam.

Anônimo disse...

IARA:
Agradeço imensamente esses votos, minha tão querida amiga. Sabes bem que seu apoio é pouco ante a minha admiração. ;-)

MAMYS:
A água explodia em força, os olhos em significado. Outro tipo de força, não? Mas sim, aqueles olhos tinham tanto a me dizer, faziam tanto por me envolver.

LEKKERDING:
Sua presença já é um grande presente, caríssima, agradeço muito.

MAI:
Caríssima, seu comentário me lisongeia tanto quanto me emociona, até pelo tanto que admiro os seus textos e pela forma como eles me tocam. Mas mais ainda, pq esse texto que leu aqui é mais que construto poético, é um relato. Foi um momento tão real quanto a cachoeira que esta foto retrata. A exata cachoeira da qual o texto fala. No exato local onde essas palavras ocorreram. Toca-me e por isso agradeço imensamente, Mai. Volte sempre. Sua presença enobrece este cantinho da blogosfera.

TYR:
Tudo, nesse momento narrado, foi único... e tudo foi poderoso, ali.

POISON:
Seus olhos me disseram tudo que precisavam, naquele momento. Seus toques me levaram à sublimação dos sentidos e essas palavras que aqui lês são mero reflexo de um momento que não merece ser limitado a elas, jamais. Sou obrigado a concordar, tudo foi moldado em expectativa àquele momento. Até eu mesmo, ainda que não soubesse, estava sendo levado até ali, formatado para compreender a importância de todos os elementos q me cercavam... e desses seus olhos de esfinge. O q transcende não pode ser posto em palavras pq não pode ser expresso em nada tão limitante quanto a linguagem. Algo que só consegue me dar uma frase tão simplória, para tentar expressar isso tudo: EU TE AMO.

Taynar disse...

Nossa, concordo com a Iara, que frase linda.
Valeu a noite.
Ah, hei de encontrar quem faça essa frase verdadeira =))
Beijos, Detetive.

Anônimo disse...

Texto muito maneiro. Descrições com sinônimos bons de se ler.

Sabia que alguns gorilas africanos, entendem as quedas d'águas como deuses? Foram feitas medições das atividades cerebrais dos gorilas, enquanto ficavam sentados "bobolhando" as cachoeiras. E a atividade cerebral registrada era basicamente a mesma de uma pessoa em estado profundo de oração.

Concordo com eles, é uma dádiva da natureza.

Abraço.

Anônimo disse...

TAYNAR:
Esse encontro é raro, único, poderoso... eu já pensava q não entenderia isso, mas quando ocorre... tudibom. :-D

FABIO:
Me sinto um gorila, então... parado, admirando a água, a natureza, todo esse esplendor ímpar.