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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Trilhas *dos diários do Andarilho*

Percorria seus caminhos uma vez mais, por entre as árvores já tão conhecidas e pisando trilhas de folhas avermelhadas de outono. Sempre foi gostoso brincar por ali e tudo o mais ria de volta o quanto ele mesmo ria para o mundo, como houvera muito tempo não o fizera. Era sempre novo, percorrer aquele caminho, porque em cada passo sentia-se imerso, apresentado a novos ciclos. Como ler um livro velho pela quarta vez e descobrir que as rodas não giram mais da mesma forma, naquela estória. Corria, algumas horas, alimentado pelo cheiro de mato e terra, pela eletricidade daquele ar úmido sob as folhas. Adorava ver o azul do céu por entre elas, sorria feito menino ao lembrar disso. Porque ali, menino era.

Por entre os arbustos e troncos daquele bosque, ela o via correr, guardando-o no fundo dos intensos olhos castanhos. Não evitava o eventual curvar dos cantos dos lábios, um sorriso plácido como a superfície de certos rios, que sob o espelho correm tão caudalosos. Não trazia o ar efusivo nem a euforia incontida, já estava em paz e acostumada àquele lugar tão familiar. O que lhe prendia a atenção era o próprio rapaz, que mal conhecera aquele plano, já se sentia tão à vontade para soltar-se, desabalado. Era curioso, pois estava longe de ser ingênuo a tudo aquilo e ainda assim o parecia. Os dois tinham suas visões, um tanto diferente, daquilo que os cercava. Mas fato era, ambos ali estavam e de uma estranha maneira compreendiam-se mutuamente. Achava que ele, talvez, um pouco menos.

Um vento diferente... os passos dele por um momento contidos, o olhar aguçando-se e o perscrutar à volta. Por aqueles instantes, sentia que as sombras das árvores ao seu redor esticavam-se, por sobre ambos. De sobressalto, sua atenção voltava-se para ela, que caminhava com a mesma calma de sempre, aproximando-se. Tinha um ar compenetrado e a respiração compassada, era a eterna sinfonia de ares, olhos e gestos que ele conhecera desde o princípio. Mas tinha um semblante preocupado, enquanto o fitava à alma. O rapaz respirava mais fundo, retomando o fôlego e sentindo-se pesar mais, ao chão. Por um momento, deixava-se abrir o par de longas e alvas asas. Lábios umedecendo-se e o corpo curvando-se apenas de leve à frente. Seus dedos sentiam os sulcos da casca de uma árvore mais próxima e assim podia perceber a vibração do lugar mudar. Ela não precisava daquele toque. Aproximava-se, tão lentamente... os lábios entreabrindo-se.

- Esteja sempre preparado... para tudo.

Tocava-lhe o ombro e sentia-o tenso, mas a postura se deixava relaxar, bem aos poucos. Os dois respiravam fundo, como se em sintonia. Algumas sombras avolumavam-se ao redor e por um momento todo aquele universo quis dançar uma espiral de decadência. Observavam, curiosos, o começo de um novo turbilhão. Ainda estavam ali, como por muitas vezes estiveram e ainda estariam. Sentiam o tempo aproximar-se em ondas, esticando-se por sob a areia da praia que agora estava aos seus pés. E à frente daquele pôr-do-sol, tantos outros anjos vinham sentir o mundo vibrar. Do olhar preocupado, ele deixava despontar um fraco, mas sincero sorriso.

- Sempre... às vezes é pedir demais.


Door Mouse, de ~brokendreamer no deviantART.

6 comentários:

Anônimo disse...

Quase senti o cheiro do mato, das árvores, da água pura correndo...

E, nino, o surpreendente também nos apaixona, não é?

beijocas

Tyr Quentalë disse...

A mata possui um poder poderoso quando rodeia os caminhos que trilhamos, ela espreita, sussurra e às vezes pula.
Estar sempre preparado, às vezes é possível, mas principalmente quando se está só.
É na solidão da alma que muitas vezes compreendo o que sussurram para mim, quando estou rodeada pelas matas.
Quando estou realmente só e minhas asas tocam solo, mata, ar e almas que me pergunto se realmente desejo voltar à civilização.
E hoje o vento forte que tocou a face da água e a minha face, murmurou:
Jamais estarás só. Mantenha-se preparada... Pelos outros... Sempre.

Sueli Maia (Mai) disse...

Eu ia te dizer que uma das coisas que me fazem 'correr' prá ler tuas histórias, é a riqueza da tua narrativa.
Eu vou entrando texto a dentro e me adentra uma espécie de 'transporte'... se 'bobear', levo susto.

Trilhas, amigo. Adoro novas trilhas... Novos caminhares....
E lembrei das caminhadas que precisamos fazer, a sós... São imprescindíveis.

Beijos, amigo.
Não vou ser clichê, outra vez. Não vou dizer que está lindo.
Só vou dizer que adorei.

bete disse...

gostei da floresta....
bj. saudade

Anônimo disse...

MAMA:
O surpreendente nos envolve, nos atiça a curiosidade. E eu certamente sou o proverbial gato.

TYR:
Nunca se está realmente só, caríssima. Mas estar sempre pronto é um tanto desafiador.

MAI:
E q somos todos nós senão a soma dos clichês que nos formaram, ao longo da vida? Do q somos feitos, senão de toda essa fantasia que é a vida. Q controle temos, realmente, de tudo o q nos cerca?

IARA:
Sua vinda a esse canto é sempre imensamente bem-vinda, caríssima.

Poisongirl disse...

Sempre , na maioria , das vezes é muito.Mas se faz necessário.

Quando rompemos nossos limites e nos fazemos mais , na verdade , ganhamos novos limites.
E quem quer parar de crescer ?